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Egipto: O discurso dúplice de Washington

O governo dos EUA tenta definir posição frente à revolta popular que coloca em xeque o regime do Egipto, o aliado árabe mais importante de Washington, enquanto dezenas de milhares de manifestantes continuam a protestar nas ruas do Cairo e noutras cidades do país. Por Jim Lobe e Ali Gharib, da IPS
A Casa Branca “por um lado, tenta afirmar o seu contínuo apoio ao regime de Mubarak, amigo dos Estados Unidos. Por outro, pretende articular princípios de acordo com as reclamações dos manifestantes” - Foto de Obama e Hillary Clinton

O presidente norte-americano, Barack Obama, convocou uma incomum reunião com altos funcionários da área de segurança para o dia 29.

Após a conversa telefónica que mantivera anteriormente com o presidente do Egipto, Hosni Mubarak, Obama disse ter dito ao seu colega que “são necessárias medidas concretas para proteger os direitos do povo egípcio, um diálogo significativo entre o governo e seus cidadãos e uma mudança política que dê maiores liberdades, mais oportunidades e justiça às pessoas”. “Claramente, Washington está numa posição de gestão de crise, não de resolução”, disse Robert Danin, ex-assessor para o Médio Oriente no governo de George W. Bush, numa videoconferência realizada pelo Conselho de Relações Exteriores.

Não se sabe que medidas concretas a Casa Branca adoptará, mas a incapacidade da polícia egípcia para controlar as maciças manifestações no Cairo e noutras cidades convenceu numerosos analistas norte-americanos de que o regime de Mubarak, que já tem três décadas, está com os dias contados, apesar de no dia 28 ter nomeado novo gabinete.

Consultada sobre a situação no Egipto, a secretária de Estado, Hillary Clinton, disse, no dia 28, que “o que acontece no Egipto é questão dos egípcios”, sendo que no dia 25 havia dito que a situação era “estável”. O “assunto sobre o qual temos que nos concentrar é como podemos ajudar os egípcios a terem um futuro de acordo com suas expectativas”, afirmou Hillary. A secretária também pediu urgência ao Cairo para “que faça todo o possível para conter as forças de segurança e manter um diálogo com o povo”.

Pouco depois, o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, sugeriu, pela primeira vez, a possibilidade de Washington poder usar a sua nada desprezível ajuda ao Egipto para fazer Mubarak avançar nessa direcção. Desde os acordos de Camp David de 1979 com Israel, Washington entrega ao Egipto 1,3 mil milhões de dólares por ano em apoio militar e segurança e outros 800 milhões em ajuda económica, embora esta última tenha diminuído nos últimos tempos, o que fez desse país o maior receptor de assistência dos Estados Unidos, depois de Israel.

A ajuda militar é especialmente importante porque o exército desse país se converteu num factor fundamental na definição do destino do regime. De facto, altos comandantes egípcios estiveram em Washington para sua reunião anual com seus colegas norte-americanos, tendo regressado no dia 28 ao seu país.

“Reveremos a nossa ajuda em função do que ocorrer nos próximos dias”, disse Gibbs, que, como Hillary, pediu para Mubarak restabelecer a conexão de Internet, cortada na noite do dia 27 para impedir organizações maciças como a que acabou por ocorrer 12 horas depois. O vice-presidente dos Estados Unidos, Joseph Biden, também ressaltou a importância de haver reformas políticas económicas, mas recordou que Mubarak “foi de muita ajuda em vários assuntos ligados ao Médio Oriente. Não o chamaria de um ditador”, afirmou Biden.

Os seus comentários, como os de Hillary e Gibbs, mostram o que numerosos analistas em Washington qualificam de “duplo discurso” da Casa Branca para lidar com as crises atuais. “Por um lado, tenta afirmar seu contínuo apoio ao regime de Mubarak, amigo dos Estados Unidos. Por outro, pretende articular princípios de acordo com as reclamações dos manifestantes”, disse Danin. “O problema é que chegou tarde e é muito difícil conciliar as duas posições”, acrescentou.

Numerosos analistas deste país consideram que Washington, que parece avançar lentamente nessa direcção, precisa se expressar com maior clareza a favor das reclamações democráticas dos manifestantes, um esforço que parece vislumbrar-se com a declaração de Obama após a sua conversa telefónica com Mubarak.

“Espero que, quando falar com Mubarak, Obama não se concentre na necessidade de estabilidade, mas em dar resposta às reclamações por liberdade”, disse, antes do discurso do presidente, Steven Cook, especialista em Médio Oriente do Conselho de Relações Exteriores, que regressou no dia 28 ao Cairo. “Mubarak deve compreender que não vamos permitir que faça qualquer coisa para recuperar o controle”, acrescentou. “Obama deve reconhecer que Washington não ouviu o suficiente os povos da região”, disse, por sua vez, Helena Cobban, especialista em Médio Oriente. Envolverde/IPS

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