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Processos de privatização da TAP e da ANA são um crime para os interesses do Estado

Os episódios que compõem o processo guiado pelo governo nesta história dava um Manual: “como fazer truques orçamentais e negócios ruinosos para o interesse público em meia dúzia de lições”. Autoria: Pedro Passos Coelho, Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira.

Deste governo já vimos quase tudo: vendas apressadas da distribuição e produção de eletricidade ao mesmo dono. Um monopólio de duas rendas garantidas; ameaçaram com uma concessão que entregava a rádio e televisão pública sem qualquer risco, um escândalo a que o governo respondeu com criatividade, propondo agora entregar o controlo total por apenas meia venda. Mais uma renda. Mas nenhum destes processos está à altura do que aqui nos traz hoje - a entrega de duas empresas estratégicas, a ANA e a TAP, duas empresas de bandeira, que o governo prometeu entregar fosse de que forma fosse, e fosse a quem fosse, quebrando todas as regras do mercado que pretendem proteger, garantindo negócios de alguns à custa de todos os portugueses.

Os processos de venda da TAP e da ANA são um caso de estudo do que pode correr mal nas privatizações. Falta de transparência, estudos duvidosos, processo tortuoso desde o início, pressa de vender a qualquer preço, mesmo quando os valores do mercado aconselhavam prudência, interesses estratégicos do país deixados para trás. Tudo o que podia correr mal, está a correr pior, é este o resumo deste tortuoso processo.

Os episódios que compõem o processo guiado pelo governo nesta história dava um Manual: “como fazer truques orçamentais e negócios ruinosos para o interesse público em meia dúzia de lições” Autoria: Pedro Passos Coelho, Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira.

Para arranjar um truque contabilístico que permitisse disfarçar o monumental buraco orçamental, que os ministros Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira cavaram ativamente com a recessão económica ao longo do ano, o governo inventou um contrato de concessão das estruturas aeroportuárias para vender à ANA - empresa que detém as estruturas - concessão essa que será adquirida depois por quem vier a comprar a ANA no processo da sua privatização. Ou seja, a ANA compra a concessão das suas próprias estruturas para depois a vender a quem comprar a ANA. Parece complexo, mas não é. É um mero expediente artificial, que permite encaixar ainda este ano os milhões que o ministro Vítor Gaspar precisa para maquilhar a incompetência e o monumental falhanço no cumprimento das metas do défice orçamental que ele mesmo definiu. A venda da ANA é a cábula do aluno mal comportado para melhorar a nota do défice orçamental.

Mais. O contrato de concessão da ANA foi ontem aprovado em conselho de ministro, as propostas de aquisição terão que ser entregues até quinta-feira. Isso mesmo, é mesmo assim: 48 horas para os interessados consultarem o contrato, estudarem as condições, o custo benefício da sua operação e apresentarem propostas. Como é que as propostas iniciais (não vinculativas) foram entregues quando ainda não se conheciam as condições do contrato de concessão que, supostamente, estavam a tentar adquirir? Não há outra forma de ver isto: aqui há negociata com o dedo de fora. Se isto não é um contrato feito à medida, e já conhecido por um ou mais interessados, o governo consegue disfarçar muito bem.

Estes processos de privatização não são só um crime para os interesses do Estado, postos em causa em nome do negócio para meia dúzia. A forma como estão a ser conduzidos, com os pés e sem qualquer transparência, é um insulto à inteligência dos cidadãos.

No caso da TAP, a história também ilustrativa. No próprio dia em que o governo aprovou o caderno de encargos relativos à privatização da TAP, escolheu também o comprador, um dois-em-um nunca antes visto. O comprador, por seu lado, teve que usar a imaginação para contornar a legislação europeia que proíbe a propriedade das transportadoras aéreas europeias por não-comunitários, e conseguiu num volte-face cinematográfico, um passaporte polaco e abriu uma sucursal no Luxemburgo.

Mas por vezes, como dizia um antigo primeiro-ministro, é só fazer as contas. Aparentemente Efromovich terá avançado com a oferta com 1.500 milhões para TAP. Desses 1.500 milhões, cerca de 1.200 servem para cobrir o passivo da TAP, e cerca de 300 mil serão repostos na TAP, sob a forma de capitais próprios. O que falta nesta equação, é que a dívida da TAP corresponde praticamente aos ativos da TAP, com um diferencial de cerca de 300 milhões. E lembrar que para o comprador em questão, os efeitos multiplicadores de ligação com a área de atuação da TAP são certos. Economistas reputados têm afirmado que a privatização a fazer-se deveria pelo menos permitir angariar 700 milhões de euros. Mas parece não ser assim. No fim, o comprador deixará só uma gorjeta - nos cofres do Estado entrará a módica quantia de 20 milhões de euros. Pior era difícil.

Por isso mesmo, todas as vozes se têm levantado, até de ex-líderes do PSD, dizendo que negócios tão ruinosos para o interesse público não podem ser consumados.

A Transportadora Aérea e a ANA não são duas empresas quaisquer.

A ANA é uma das empresas públicas mais rentáveis, gerando, ano após ano, dezenas de milhões de euros de lucros para os cofres do Estado - ou seja, até hoje a ANA foi sempre um instrumento ativo de consolidação das finanças públicas. Aliená-la é colocar em risco essa consolidação orçamental.

No caso de uma empresa estratégica de transportes como a TAP, não estamos a discutir apenas uma companhia aérea, mas antes uma importante ferramenta de resposta à crise, um elemento central para qualquer estratégia de crescimento económico que tire o país do buraco em que nos enfiaram. A TAP foi em 2010 e 2011 a maior exportadora nacional; figura entre a meia dúzia de companhias aéreas mais eficientes do mundo; e é líder numa das ligações áreas mais apetecidas, com maior potencial de expansão mundial: a linha entre a Europa e o Brasil. O mesmo acontece com os países de língua oficial portuguesa, aonde o potencial de expansão das rotas da TAP a torna numa das empresas, da sua dimensão, com maior potencial.

E é por isso que a sua privatização não é apenas um mau negócio, uma venda ao desbarato. É um negócio histórico e sem paralelo na Europa, um caso de estudo a que o Dr. Borges certamente se dedicará a ensinar a ministros sem equivalências mas, sobretudo, é um negócio político

E é um sinal de capitulação do governo, que coloca o país refém de interesses estrangeiros, e que não controla, num setor estratégico e central para a competitividade da economia penhorando o futuro do país, o futuro da economia, o futuro dos portugueses. Uma venda que todos iremos pagar caro sem receber nada em troca.

Não chega ao ministro da Economia falar de reindustrialização do país quando nada resta ao Estado para incentivar ao investimento no país. Não chega ao ministro das Finanças emprestar dinheiro a si próprio para levar à Troika os resultados que prometeu. E não chega ao Sr. primeiro-ministro olhar para tudo isto e achar que o país aguenta a pirataria económica.

As privatizações do governo são hoje o maior investimento na austeridade futura. E nesta matéria o Bloco de Esquerda mantém uma posição de princípio económico: não se privatizam setores estratégicos e monopólios naturais. Porque não resolvem nada - garantem apenas que todos iremos pagar sempre mais caro as rendas dos amigos deste governo.

Declaração política na Assembleia da República em 12 de dezembro de 2012

Sobre o/a autor(a)

Investigadora do CES
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