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Novo Banco: que maioria escolhe o PS?

Para vender a banca pública, haverá sempre apoio do PSD. Mas o governo também pode ter, no parlamento, uma maioria para defender Portugal dos predadores. O Novo Banco não deve ser vendido.

A recapitalização do Novo Banco foi anunciada repentinamente, no final do ano, ainda o país começava a digerir, entre rabanadas, a fatura do Banif. Celebrou-se então um estranho unaninimismo. Nas reações, os contribuintes ficaram a salvo enquanto eram levados para o "banco mau" os créditos sénior que tinham sido protegidos no verão de 2014.

No Banif como no Novo Banco, as "regras europeias" são o novo mantra da inevitabilidade. Só que a única verdadeira regra europeia é o diktat do BCE e da Comissão Europeia

Dias antes desta recapitalização, António Costa dava um sinal benigno: "Para já, o essencial era libertarmo-nos da pressão da venda", afirmava em entrevista (JN, 25 dezembro), admitindo "reflexão" sobre manter o NB na esfera pública, como defendem o Bloco e o PCP. Mas depressa o sinal se perdeu. Quando o Banco de Portugal comunicou ao país a recapitalização do NB, coube-lhe também anunciar, perante o silêncio do governo, o relançamento da venda do NB - de imediato, em janeiro. De resto, ainda antes de Carlos Costa, já a Comissão Europeia antecipara essa decisão "das autoridades portuguesas".

Além do Bloco, os alertas mais sonoros vieram de vozes socialistas. Para o deputado João Galamba, "o Estado deve vender [o Novo Banco] se quiser, ou se for rentável fazê-lo, nunca podendo existir uma obrigação de venda forçada que desvaloriza o banco e lesa os contribuintes, em benefício dos privados". Para Pedro Adão e Silva, está em causa "o demantelamento do sistema bancário português": com o empenho de Bruxelas na concentração bancária, "podemos bem estar a assistir a um movimento que colocará fim a um sistema financeiro de base nacional, com músculo suficiente para garantir a nossa soberania económica (logo política). Daqui a um par de anos, Portugal poderá ter apenas umas banquetas regionais (o que só torna mais necessário manter pública a Caixa)".

No Banif como no Novo Banco, as "regras europeias" são o novo mantra da inevitabilidade. Só que a única verdadeira regra europeia é o diktat do BCE e da Comissão Europeia. Como assinala Ricardo Cabral, no caso do Banif, a Comissão (Direção de Concorrência) ultrapassou competências, condicionou opções e impôs uma monumental "ajuda de Estado"... ao Santander. Ora, teria sido precisamente a atual ajuda de Estado à CGD o argumento para impedir (são as regras...) a integração do Banif na Caixa, proposta pelo Governo português. No caso do Novo Banco, Cabral aponta uma "operação arbitrária, muito duvidosa e extremamente arriscada, que aumenta os rácios de capital para muito acima do mínimo legal exigido (8%). Novamente, sem qualquer fundamentação legal".

Novo Banco, questão de soberania

Durante duas décadas, a integração europeia insuflou os bancos portugueses como intermediários sem controlo, endividados lá fora para fomentar o delírio imobiliário cá dentro. Quando a crise abriu os buracos, os contribuintes foram chamados ao resgate, com impostos e mais crise, garantias e empréstimos de favor. Agora, a união bancária europeia impõe a concentração, nas mãos dos gigantes europeus, da propriedade daquilo que resta do setor bancário português. É, como diz Adão e Silva, uma questão de soberania política, nada menos.

Primeiro levaram o Banif e mais três mil milhões. Agora querem vir buscar o Novo Banco, bem recapitalizado, e deixarão a litigância futura e os maus empréstimos a correr para o lado do Estado. Quando disserem que a Caixa Geral de Depósitos precisa de capital, “as regras europeias” hão-de impor na Caixa um acionista privado e o velho sonho de Passos Coelho será realidade

Primeiro levaram o Banif e mais três mil milhões, dizendo que não havia tempo para menos. Agora querem vir buscar o Novo Banco, bem recapitalizado, e deixarão a litigância futura e os maus empréstimos a correr para o lado do Estado. Quando disserem que a Caixa Geral de Depósitos precisa de capital, mas que o Estado está proibido de reforçar o seu banco, “as regras europeias” hão-de impor na Caixa um acionista privado e o velho sonho de Passos Coelho será realidade.

A questão, aqui, não é de “crise política”. Com a viabilização do resgate do Banif, Passos esclareceu, ao seu estilo, que o PSD fará sempre maioria para obedecer ao BCE no desmantelamento do sistema bancário português: “não usamos matérias relacionadas com a estabilidade do sistema financeiro para fazer desforras politicas”. Ponto.

A questão, aqui, é de projeto político. Num artigo de ano novo, António Costa prometeu reorientar a política de financiamento bancário, "do rentismo do crédito ao consumo e à compra de casa própria para o financiamento do investimento produtivo". Mas Costa sabe que não pode “reorientar” o Santander espanhol, nem o BCP angolano, nem o BPI espanhol-angolano. Muito menos se não tiver instrumentos fortes de banca pública que condicionem todo o sistema. É por isso que o Novo Banco não deve ser vendido.

A escolha é, portanto, do PS. O governo sabe que também há, no parlamento, uma maioria para defender Portugal dos predadores.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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