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As lições suecas: o que é que temos de fazer como eles?

É difícil de conceber que os responsáveis pela crise, com as medidas que fizeram a crise, sejam a resposta a si próprios. Mas isso nem é uma lição sueca, é mesmo uma lição portuguesa.

Há pouco mais de uma semana, as eleições suecas deram uma escassa maioria a uma coligação entre social-democratas e outras forças de centro, depois de oito anos de governo de direita. A coligação vencedora está agora a tentar formar o governo, mas faltam-lhe votos e procura uma parceria com partidos de direita, tendo recusado uma aliança com qualquer sector de esquerda — este jogo foi ingenuamente saudado em Portugal, mas a imprensa financeira, com grande entusiasmo do Financial Times, compreendeu-o bem melhor, registando os factos. Será um bom exemplo para os portugueses, que bem precisam de uma porta aberta para uma nova solução?

De facto, a primeira pergunta interessante é porque mudou a cor do governo. A economia da Suécia tem sido um caso de estabilidade: desde 2006, o PIB cresceu 12,6%, está perto de um excedente orçamental e a dívida soberana anda à volta de 40% (lembremo-nos de que a Suécia tem moeda própria e não está no euro). Poucos países da Europa têm estes indicadores e poucos candidatos poderiam apresentar este menu.

Mas eles escondem uma realidade dura: o crescimento foi conseguido com uma acentuada transferência de rendimentos (é o país da OCDE em que a desigualdade mais se agravou desde 1990) e o Orçamento foi ajustado com dolorosos cortes nos serviços públicos. O mais evidente é o da educação. Os resultados escolares da Suécia degradaram-se rapidamente, segundo a medida do inquérito PISA, desde que um quinto dos estudantes passou a estar em escolas privadas, mas as contas públicas melhoraram, porque os pais pagam mais pela educação dos filhos. Afinal, passou a ser um negócio. A privatização de lares de idosos também se tornou um tema de escândalo, quando foram descobertas recentemente evidências de má gestão. Nos dois casos, da educação e proteção de idosos, a grande maioria da população mostrou em sondagens – e agora na eleição – a sua hostilidade às soluções da direita.

Assim, uma lição é que a alternância resultou na Suécia. A alternância é a chave dos regimes políticos europeus e, onde esta funciona, o regime é estável (mas está a falhar em Espanha e em França e esse é um dos grandes problemas do futuro da União Europeia). Mais vale não fazermos como os suecos, porque essa alternância é também a história de Portugal desde há 40 anos e o resultado não é apresentável.

A segunda lição é que as soluções económicas têm de ser avaliadas pelos seus efeitos sociais reais. No caso sueco, o governo conservador de Fredrik Reinfeldt reduziu os impostos, desde 2007, em cerca de 140 mil milhões de coroas (ou 15 mil milhões de euros). O sistema financeiro foi o mais beneficiado (note-se que em Portugal só houve redução de impostos para os lucros, mas aumentaram todos os impostos sobre o trabalho), e o impacto foi de tal ordem que a Suécia tem hoje uma carga fiscal mais baixa do que a da França (44,5% do PIB para 46%), ao contrário do que se passou ao longo do século anterior. No entanto, nem esta redução de impostos empresariais nem os resultados orçamentais obtidos com os cortes convenceram os eleitores.

Não só não ficaram convencidos como exigiram outra coisa: segundo uma sondagem anterior às eleições, 67% dos suecos aceitavam mais impostos desde que estes pagassem melhores serviços (82% entre os eleitores de esquerda, mas também 50% entre os de direita). Deste modo, as eleições acabaram por se disputar entre duas propostas de aumento de impostos.

A direita propunha-se suprimir o direito de dedução fiscal de poupança-reforma, aumentar as taxas sobre o álcool e tabaco e aumentar o pagamento para a segurança social no caso dos empregados de banca e seguros. Do outro lado, o social-democrata Stefan Lofven prometia um aumento de impostos de 40 mil milhões de coroas (aproximadamente 29 mil milhões de euros), através de uma taxa sobre os bancos, do aumento do IVA, da supressão de anterior redução de segurança social patronal para jovens, mas também garantia a redução dos impostos para reformados, paga com um aumento do imposto sobre o rendimento de quem ganhe mais do que o equivalente a 6.500 euros.

A lição parece-me então ser esta: para escolher entre políticas orçamentais, impostos e soluções, é melhor obrigar os candidatos a apresentarem contas concretas. Para decidirmos com o critério que os suecos puderam usar.

Finalmente, no que em contrapartida as duas coligações não se diferenciavam era na ortodoxia da política orçamental e mesmo na conceção do serviço público. Diz o The Economist, enfaticamente, que a ministra das finanças do novo governo “na verdade, quer avançar para o equilíbrio orçamental mais depressa (do que a direita)” e que não tem qualquer vontade de reduzir o peso dos privados na educação. O que esta ortodoxia significará em termos de governação imediata está para ver, mas sabe-se como a social-democracia sueca foi renegando a visão moderadamente redistributiva de Olaf Palme e se aproximou das políticas liberais, que jura prosseguir. Políticas “amigas das empresas”, ou da finança, como se diz agora no jargão do novo século.

Então talvez seja melhor não imitarmos os suecos, porque afinal foi essa política que nos arrastou até aqui. É difícil de conceber que os responsáveis pela crise, com as medidas que fizeram a crise, sejam a resposta a si próprios. Mas isso nem é uma lição sueca, é mesmo uma lição portuguesa.

Artigo publicado em blogues.publico.pt a 22 de setembro de 2014

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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