Cratinices

porMiguel Reis

11 de setembro 2012 - 18:38
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Vem agora o Ministro da Educação justificar o despedimento de milhares de professores com a redução do número de alunos. Uma análise cuidada dos dados disponíveis mostra como Crato suspendeu os seus dotes matemáticos para atirar areia para os olhos de todos nós e esconder a opção ideológica que o move.

A 31 de Agosto deste ano foram colocados cerca de menos cinco mil professores do que na mesma altura do ano passado. Mas a verdadeira dimensão do despedimento só será conhecida lá para o mês de Novembro, dado que há contratações (muito poucas) ainda a decorrer. E, nessa altura, todas as previsões apontam para uma redução do número de professores contratados superior a 15 mil em relação ao ano passado, muitos deles com mais de 10 anos de serviço. É, nas palavras do Ministro, uma situação “humanamente preocupante”, da qual se desresponsabiliza totalmente, invocando como causa a redução “brutal” de 200 mil alunos (cerca de 14%) nos últimos anos. (entrevista ao Sol aqui e aqui).

Mas onde foi o ministro desencantar estes dados? Menos 200 mil alunos nos últimos anos? Não há memória de redução tão drástica e não se vê como se possa corroborar tal afirmação. Pelo contrário, todos os dados disponíveis desmentem categoricamente tal possibilidade. Senão vejamos:

Consultando duas fontes oficiais que coincidem (PORDATA e Anuário Estatístico de 2011 -página 123), verifica-se que o número total de alunos no ensino público (do pré-escolar ao secundário) diminui apenas 0,5% desde 2000, sendo que desde 2005 tem vindo a aumentar ligeiramente (a estas conclusões chegou também Paulo Guinote neste post do blogue “A Educação do Meu Umbigo”), notando-se apenas uma pequena quebra final de 2009 para 2010. Estes dados encontram-se na tabela em baixo, construída a partir das ditas fontes oficiais, descontando o número de alunos no ensino superior.

Mas o enigma permanece. É que Crato, entrevistado esta segunda-feira por Judite de Sousa, precisou pela primeira vez que a tal redução de 200 mil alunos refere-se aos últimos três anos, para os quais escasseiam dados oficiais. Ora, o que sabemos é que de 2009 para 2010 houve uma redução de 30 mil alunos. Será credível que o número de alunos tenha reduzido cerca de 170 mil de 2010 para 2012? A resposta é um contundente “não!”.

À falta de dados recentes sobre o número de alunos, recorramos então à taxa de natalidade. Ora, tendo em conta que, grosso modo, frequentam a escola jovens dos 4 aos 18 anos, para determinar a influência da natalidade no número de alunos em 2009 devemos considerar a taxa de natalidade entre 1991 e 2005 (média de 10,3 nascimentos por mil habitantes), e para determinar a sua influência em 2012, devemos ter em conta a taxa de natalidade entre 1993 e 2008 (média de 10,0 nascimentos por mil habitantes). Ora, considerando estes dois períodos, a redução da taxa de natalidade é de apenas 3%, muito longe da redução de 14% do número de alunos sustentada pelo Ministro. Basta olhar para o gráfico relativo à taxa de natalidade para perceber que a sua grande queda foi nas décadas de 70 e 80 (o que explica uma redução significativa do número de alunos nos anos 90), sendo que a partir da década de 90 o decréscimo é bastante suave (e por isso não se nota um decréscimo do número de alunos na década de 2000).

À luz destes dados, os números do Ministro são enigmáticos para não lhes chamar uma impostura. Mas há ainda outros dois fatores que contrariam a tendência apocalítica decretada por Crato. Em primeiro lugar, falta ainda contabilizar a transferência de alunos do privado para o público no último ano devido às crescentes dificuldades financeiras de muitas famílias da classe média. Em segundo lugar, apesar da ligeira baixa da natalidade, o abandono escolar em Portugal tem vindo a diminuir significativamente nos últimos anos, em grande parte graças às novas ofertas formativas no terceiro ciclo e no ensino secundário implementadas por Maria de Lurdes Rodrigues e, mais recentemente pelo desafio do alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos. Estes fatores têm contribuído para estabilizar ou até em alguns casos aumentar o número total de alunos. Mesmo assim, Portugal ainda é o terceiro país da União Europeia com maior abandono escolar (23,2% contra 13,2% da UE, ver evolução dos números aqui) e um dos países com menor percentagem da população com o ensino secundário (cerca de 30%, dados da OCDE - página 39), o que significa que ainda há muito a fazer nesta matéria…Ou já terá desistido Crato deste desígnio, tal como indica o desinvestimento abrupto na formação de adultos operado durante este ano? Ou será que quando o Ministro diz que o número de alunos ainda vai diminuir muito mais nos próximos anos está na verdade a referir-se ao desinvestimento consciente que já começou a fazer no combate ao abandono escolar?

Nuno Crato tem vergonha de assumir que foram as políticas do governo da troika que determinaram o maior despedimento de professores de sempre em Portugal. Tem vergonha de nomear essas políticas: aumento do número de alunos por turma (não só no ensino regular mas em muito maior dimensão nas disciplinas de opção do ensino secundário e no ensino alternativo), constituição de mega-agrupamentos, fim do par pedagógico na disciplina de Educação Visual e Tecnológica, eliminação das disciplinas de Formação Cívica, Área Projeto e Estudo Acompanhado, etc. Ou seja, Crato escolheu diminuir a qualidade do ensino, prejudicando alunos e pais, tudo para poder despedir milhares de professores e poupar na despesa, obedecendo às Finanças e à Troika. E agora atira-nos areia para os olhos com uma enigmática redução brutal do número de alunos - um álibi de última hora para lançar a confusão e convencer os menos atentos.

Resta ainda dizer que o maior despedimento da história só é possível graças ao trabalhinho feito pelo governo anterior. É que nos últimos seis anos, mais de 25 mil professores aposentaram-se e só entraram nos quadros 396. Ou seja, e tendo em conta que não houve redução significativa do número total de professores, assistiu-se a um aumento brutal da fatia dos professores precários, de modo a tornar agora mais fácil o despedimento, não lhe chamando despedimento mas simplesmente “não contratação”. Quando Crato tenta apaziguar a situação dizendo que no final deste ano civil vai vincular professores contratados, tudo leva a crer que a sua bitola será a mesma do governo anterior: umas poucas centenas?

Finalmente, uma palavra para as esperanças do Ministro que, na mesma entrevista ao Sol, não previa contestação por parte dos docentes. Esta segunda-feira, à porta da TVI, uma centena de professores concentrou-se de forma espontânea – e todos sabemos como é difícil a mobilização de quem fica desempregado – para dizer ao Ministro que ele mente e não tem razão. E os protestos vão continuar: esta sexta-feira os professores concentram-se à porta da EscolaSecundária de Benfica, pelas 16h, no sábado participam na manifestação “Que se lixe a troika, queremos as nossasvidas” e na segunda-feira promovem vigílias em todo o país.

Ano

Total de alunos

Pré-escolar

Básico

Secundário

2000

1.588.177

113.644

1.119.701

354.832

2005

1.477.232

137.297

1.029.173

310.762

2006

1.439.203

139.412

1.017.367

282.424

2007

1.451.691

138.168

1.023.809

289.714

2008

1.473.524

141.854

1.051.384

280.286

2009

1.614.593

142.347

1.094.268

377.981

2010

1.581.049

141.044

1.070.026

369.979

Miguel Reis
Sobre o/a autor(a)

Miguel Reis

Professor.
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