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Alguma moralidade

Os “sweetheart deals” apadrinhados pelos governos de Juncker não são menos que acordos de fuga ao fisco nos países comunitários de tributação. E é pois de fuga ao fisco em larga escala ou seja, de criminalidade económica sofisticada que se trata.

“Tentarei pôr alguma moralidade, alguma ética, na paisagem fiscal europeia” – proclamou Jean-Claude Juncker em julho passado. Quem assim falou como Presidente da Comissão Europeia indigitado, tinha sido primeiro-ministro do Luxemburgo entre 1995 e 2013, período durante o qual aquele micro-Estado fundador da União Europeia celebrou com 340 multinacionais – como a Apple, a Amazon, a Starbucks ou a Fiat – acordos que permitiram a essas empresas ocultar milhares de milhões de euros aos Estados em que reportam os seus lucros para efeitos fiscais.

Membro respeitadíssimo do clube europeu, o Luxemburgo não é oficialmente um paraíso fiscal. Mas os acordos celebrados com aquelas 340 empresas contemplam engenhosos mecanismos de engenharia financeira, incluindo empréstimos entre unidades do mesmo grupo, ficando os praticados por unidades com sede no Luxemburgo sujeitos a uma tributação incrivelmente baixa e retirando por este meio à matéria coletável nos outros Estados de instalação do grupo cifras na ordem dos milhares de milhões de euros. Na conta fiscal final dessas empresas, a instalação de unidades no Luxemburgo é uma benfazeja fonte de descontos.

O que está em causa nestas práticas não é apenas a prática de ajudas de Estado ilegítimas, à luz do direito comunitário da concorrência. Revelada a falcatrua pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, foi para essa ilegalidade que as autoridades luxemburguesas remeteram a avaliação das práticas em causa, prometendo corrigir o que fosse eventualmente contrário à lei. Só que é muito mais que isso: os “sweetheart deals” apadrinhados pelos governos de Juncker não são menos que acordos de fuga ao fisco nos países comunitários de tributação. E é pois de fuga ao fisco em larga escala ou seja, de criminalidade económica sofisticada – oficializada e feita ao abrigo da lei fiscal de um Estado membro, que se trata.

Quando os arautos dos cortes brutais nos salários e nas pensões ou da retração desqualificadora do ensino público ou do Serviço Nacional de Saúde invocam, com arrogância q. b., que “não há dinheiro para luxos”, convém lembrar-lhes que não são luxos mas direitos de todos e que o que falta é vergonha a quem é complacente com práticas como estas que roubam aos direitos de todos para garantir os luxos de alguns. E, já agora, convém lembrar todos os euro-deputados que votaram em Juncker para Presidente da Comissão Europeia – do grupo conservador, mas também do grupo liberal e do grupo socialista – as responsabilidades que lhes cabem por terem assim apoiado a entronização do governante de um paraíso fiscal dissimulado como responsável primeiro da governação europeia.

Cantam os Diabo a Sete: “No paraíso fiscal, a justiça é cega, as fronteiras apagadas e o tempo escorrega”. Até quando?

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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