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A abstenção violenta volta a atacar

Andou bem o grupo parlamentar do Bloco ao fotocopiar o Manifesto dos 74 na sua proposta de resolução, desafiando o PS e desmontando expectativas num futuro governo de António Costa.

Com requinte protocolar, a bancada parlamentar do Partido Socialista absteve-se no projeto de resolução do Bloco de Esquerda que retomou o Manifesto dos 74 pela reestruturação da dívida. Vários deputados socialistas, subscritores do Manifesto, aceitaram a descolagem e fizeram deste voto o mais eloquente momento de realpolitik deste início de liderança de António Costa.

Na campanha das primárias, Costa foi discreto mas explícito acerca do seu compromisso com o pagamento do serviço da dívida e a submissão ao Tratado Orçamental (a aplicar sob uma leitura tão "inteligente" como aquela austeridade que Seguro defendia). Agora, o seu discurso cada vez mais redondo vai inspirando uma série de intérpretes à esquerda.

Os mais diligentes apressam-se a deixar para trás as conclusões do Congresso Democrático das Alternativas no que respeita precisamente à renegociação da dívida e à rutura com o Tratado Orçamental. Ricardo Pais Mamede, do Fórum Manifesto, apresentou um "triângulo das impossibilidades", em que a defesa do Estado Social poderia compatibilizar-se com o pagamento da dívida - ou, em alternativa, com o cumprimento do tratado orçamental (Francisco Louçã criticou a ideia aqui).

Pelo seu lado, Daniel Oliveira já se limita a defender uma "renegociação das metas" do tratado e a anunciar facilidades no seu incumprimento. E Rui Tavares explica que a maçada de uma renegociação da dívida é perfeitamente dispensável: "há que saber qual é o objetivo da renegociação: o alívio da canga que nos oprime, que pode chegar sob várias formas. Um grande plano de investimentos, um aumento da inflação, um estímulo ao crescimento económico podem ter tanto efeito como um corte nos montantes, a diminuição dos juros ou o alongamento dos prazos – e tão ou mais interessantes do ponto de vista do desenvolvimento económico". A fé de Rui Tavares e António Costa na generosidade de Angela Merkel é a mesma. Mas no fervor de ter "voz no Conselho de Ministros", Tavares torna a prédica mais exuberante.

Andou bem o grupo parlamentar do Bloco ao fotocopiar o Manifesto dos 74 na sua proposta de resolução, desafiando o PS e desmontando expectativas num futuro governo de António Costa. A rutura com a dívida e o tratado orçamental estão no centro de uma alternativa à austeridade e das convergências necessárias à esquerda.

Para bom entendedor, uma abstenção basta.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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