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As terras do gelo e da ira

Enquanto o FMI está a exigir que a Irlanda corte no salário mínimo e reduza os benefícios ao desemprego, a sua missão para a Islândia elogia o “enfoque em preservar o modelo de assistência social nórdico valorizado pela Islândia.” Por Paul Krugman.
Enquanto o FMI está a exigir que a Irlanda corte no salário mínimo e reduza os benefícios ao desemprego, a sua missão para a Islândia elogia o “enfoque em preservar o modelo de assistência social nórdico valorizado pela Islândia.”

Em 2009 era suposto ser uma piada de humor negro: Qual a diferença entre a Islândia e a Irlanda? Resposta: duas letras e seis meses.

Passados quase dois anos, a piada é sobre os que a fizeram: apesar da total irresponsabilidade da parte dos seus banqueiros, numa escala em que os banqueiros irlandeses mais se parecem com o Jimmy Stewart, chegados a um ponto em que a Islândia parece, na verdade, ligeiramente melhor que a Irlanda.

Há algum tempo, escrevi sobre a resistência surpreendente por parte da Islândia. Desde então, a Irlanda tem crescido ligeiramente, enquanto a Islândia sofreu um pequeno atraso durante a primeira metade de 2010 (em parte graças ao vulcão). Recorrendo aos dados do Eurostat, agora a situação é a seguinte:

O PIB da Islândia é ligeiramente pior (mas dentro do esperado), porém está substancialmente melhor na questão do emprego. E não vale a pena mencionarmos o caso da Letónia nem da Estónia.

O mais recente relatório do FMI acerca da Islândia é bastante positivo:

Com o programa de recuperação, a recessão da Islândia não tem sido tão profunda quanto se esperava, nem pior que noutros países mais afectados. Simultaneamente, a Coroa Islandesa tem estabilizado, estando agora a um nível competitivo, a inflação tem diminuído de 18 para 5% e os spreads CDS têm baixado de cerca de 1000 para 300 pontos base. Os défices das contas correntes têm baixado e as reservas internacionais têm saído fortalecidas, enquanto as falências do sector privado conduziram a um declínio acentuado da dívida externa para cerca de 300% do PIB.

E enquanto o FMI está a exigir que a Irlanda corte no salário mínimo e reduza os benefícios ao desemprego, a sua missão para a Islândia elogia o “enfoque em preservar o modelo de assistência social nórdico valorizado pela Islândia.”

O que é que se está a passar aqui? Fechada na sua concha, a Irlanda tem sido ortodoxa e responsável – garantindo o pagamento de todas as dívidas, comprometendo-se com uma austeridade brutal pelo preço dessas garantias e, claro, para assegurar o Euro. A Islândia tem sido heterodoxa: tem o controlo do capital, grande desvalorização e muita reestruturação da dívida – note-se aquela citação brilhante do FMI acima mencionada acerca de como “as falências no sector privado têm conduzido a um declínio acentuado na dívida externa”. Da falência para a recuperação! À séria!

E sabe o que mais? A heterodoxia tem funcionado bem melhor que a ortodoxia.


Artigo Paul Krugman, publicado no The NewYork Times, 24 de Novembro de 2010.
Tradução de Sara Vicente.
 

(...)

Neste dossier:

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A Islândia nos limites da democracia

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Que o acordo proposto aos islandeses seja mais favorável que o precedente é inegável. Mas a verdadeira questão não está aí: mesmo com condições de reembolso aligeiradas, uma dívida ilegítima permanece ilegítima e não deve ser paga. Por Jean Tosti/CADTM.

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Os islandeses votaram, novamente, em referendo que o Estado não deve pagar a dívida de cerca de quatro mil milhões de euros à Holanda e ao Reino Unido. De acordo com os resultados anunciados, o "não" ganhou com quase 60 por cento.