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Acordo para virar a página ao ciclo do empobrecimento

O acordo estabelecido entre o PS e o Bloco põe fim a um ciclo de degradação económica e social, garante “uma base institucional bastante para que o PS possa formar governo” e permite a adoção de “medidas que respondam a aspirações e direitos do povo português”.
Foto de Paulete Matos

O acordo entre o PS e o Bloco, que publicamos abaixo na íntegra juntamente com um anexo, garante o fim das políticas de empobrecimento, a defesa dos serviços públicos e do Estado Social e uma “estratégia económica” para o crescimento e o emprego.

No texto estabelece-se um conjunto de propostas de convergência entre o PS e o Bloco de Esquerda para garantir, o descongelamento das pensões, o combate à precariedade ou o aumento do Salário Mínimo, e muitas outras matérias, que são listadas, indispensáveis no corte com o empobrecimento e o conservadorismo.

No documento, PS e Bloco “afirmam a disposição recíproca” para examinarem em conjunto matérias orçamentais, “na generalidade e na especialidade”, garantindo o fim das políticas de empobrecimento, a devolução de salários, pensões e direitos e a defesa do Estado Social e dos Serviços Públicos.

O documento estabelece ainda o exame comum de matérias não orçamentais e o exame em reuniões bilaterais de matérias como moções de censura e iniciativas legislativas com impacto orçamental, nomeadamente.

No anexo, fica claro que o programa de governo não incluirá o regime conciliatório do despedimento e a redução da taxa social única das empresas. Fica também estabelecido o aumento do salário mínimo para atingir os 600 euros na legislatura de quatro anos, com aumentos de 5% nos dois primeiros anos; a reposição gradual dos salários da função pública; um conjunto de matérias de política fiscal, nomeadamente o aumento da progressividade do IRS; o fim das privatizações e a reversão das privatizações de empresas de água, da EGF e dos transportes coletivos de Lisboa e Porto.

Posição conjunta do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda sobre solução política

O Partido Socialista (PS) e o Bloco de Esquerda assumem a seguinte posição sobre a solução política no quadro da nova realidade institucional da XIII legislatura decorrente das eleições de 4 de Outubro.

1. Os resultados das eleições legislativas realizadas no passado dia 4 de outubro de 2015 significaram uma inequívoca derrota da estratégia de empobrecimento e das políticas de austeridade conduzidas pela coligação do PSD-CDS ao longo dos últimos quatro anos.

Tendo em conta as profundas dificuldades que Portugal atravessa, fruto de uma longa crise social e económica e de um contexto externo de elevada incerteza, e face ao novo quadro parlamentar decorrente dos resultados eleitorais, o PS, o Bloco de Esquerda e a CDU anunciaram um processo de convergência fundado na necessidade patriótica de conferir tradução política à vontade de mudança expressa pela maioria dos eleitores. Nesse sentido, assumiram a responsabilidade de negociar um acordo tendo no horizonte a construção de uma maioria estável, duradoura e credível na Assembleia da República que sustente a formação e a ação de um Governo comprometido com a mudança reclamada nas urnas.

2. Foi no quadro desse objectivo que PS e Bloco de Esquerda procuraram, ao longo de uma esforçada abordagem mútua, identificar matérias, medidas e soluções que possam traduzir um indispensável sinal de mudança.

Uma abordagem séria em que se reconheceram a natureza distinta dos programas dos dois partidos e as diferenças de pressupostos com que observam e enquadram aspectos estruturantes da situação do País.

Mas também, e sobretudo, um trabalho e uma avaliação que confirmaram existir um conjunto de questões que podem assegurar uma resposta pronta a legítimas aspirações do povo português de verem recuperados os seus rendimentos, devolvidos os seus direitos, asseguradas melhores condições de vida. Foram os pontos de convergência e não os de divergência que ambos os partidos optaram por valorizar.

3. Entre outros, PS e Bloco de Esquerda identificam como aspetos em que é possível convergir, independentemente do alcance programático diverso de cada partido, com vista a soluções de política inadiáveis:

O descongelamento das pensões; a reposição dos feriados retirados; um combate decidido à precariedade, incluindo aos falsos recibos verdes, ao recurso abusivo a estágios e ao uso de contratos emprego/inserção para substituição de trabalhadores; a revisão da base de cálculo das contribuições pagas pelos trabalhadores a recibo verde; o fim do regime de requalificação/mobilidade especial; o cumprimento do direito à negociação colectiva na Administração Pública; a reposição integral dos complementos de reforma dos trabalhadores do setor empresarial do Estado; a redução para 13% do IVA da restauração; a introdução da cláusula de salvaguarda no IMI; a garantia de proteção da casa de morada de família face a execuções fiscais e penhoras; o alargamento do estímulo fiscal às PME em sede de IRC; a reavaliação das reduções e isenções da TSU; o reforço da capacidade do SNS pela dotação dos recursos humanos, técnicos e financeiros adequados, incluindo a concretização do objectivo de assegurar a todos os utentes médicos e enfermeiros de família; a revogação da recente alteração à Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez; a garantia, até 2019, do acesso ao ensino pré-escolar a todas as crianças a partir dos três anos; o reforço da Ação Social Escolar directa e indirecta; a vinculação dos trabalhadores docentes e não docentes das escolas; a redução do número de alunos por turma; a progressiva gratuitidade dos manuais escolares do ensino obrigatório; a promoção da integração dos investigadores doutorados em laboratórios e outros organismos públicos e substituição progressiva da atribuição de bolsas pós-doutoramento por contratos de investigador; a reversão dos processos e concessão/privatização das empresas de transportes terrestres; a não admissão de qualquer novo processo de privatização.

Com vista à sua inclusão no programa do governo e à definição da futura colaboração entre os grupos parlamentares, o PS e o Bloco de Esquerda elencaram alguns destes e outros pontos em documento que se anexa a esta declaração.

4. O PS e o Bloco de Esquerda reconhecem as maiores exigências de identificação política que um acordo sobre um governo e um programa de governo colocava. PS e Bloco de Esquerda reconhecem também que, no quadro do grau de convergência que foi possível alcançar, estão criadas as condições para:

i) pôr fim a um ciclo de degradação económica e social que a continuação de um governo PSD/CDS prolongaria. Com esse objectivo rejeitarão qualquer solução que proponha um governo PSD/CDS como derrotarão qualquer iniciativa que vise impedir a solução governativa alternativa;

ii) existir uma base institucional bastante para que o PS possa formar governo, apresentar o seu programa de governo, entrar em funções e adoptar uma política que assegure uma solução duradoura na perspectiva da legislatura;

iii) na base da nova correlação institucional existente na AR, adoptar medidas que respondam a aspirações e direitos do povo português.

Neste sentido PS e Bloco de Esquerda afirmam a disposição recíproca para:

i) encetarem o exame comum quanto à expressão que as matérias convergentes identificadas devem ter nos Orçamentos do Estado, na generalidade e na especialidade, no sentido de não desperdiçar a oportunidade de esses instrumentos corresponderem à indispensável devolução de salários, pensões e direitos; à inadiável inversão da degradação das condições de vida do povo português bem como das funções sociais com a garantia de provisões pelo Estado de serviços públicos universais e de qualidade; e à inversão do caminho de declínio, injustiças, exploração e empobrecimento presente e acentuado nos últimos anos;

ii) examinarem as medidas e soluções que podem, fora do âmbito do Orçamento do Estado, ter concretização mais imediata;

iii) examinarem, em reuniões bilaterais que venham comummente a serem consideradas necessárias, outras matérias, cuja complexidade o exija ou relacionadas com:

a) legislação com impacto orçamental;

b) moções de censura ao Governo;

c) iniciativas legislativas oriundas de outros grupos parlamentares;

d) iniciativas legislativas que, não tendo impacto orçamental, constituam aspectos fundamentais da governação e funcionamento da Assembleia da República.

Esta posição não limita outras soluções que PS e Bloco de Esquerda entendam estabelecer com o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista “Os Verdes”.

5. Com integral respeito pela independência política de cada um dos partidos e não escondendo do povo português diferenças quanto a aspectos estruturantes da visão de cada partido quanto a opções de política que os respectivos programas evidenciam, os partidos subscritores do texto que hoje tornam público confirmam com clareza bastante a sua disposição e determinação em impedir que PSD e CDS prossigam a política que agora expressivamente o País condenou e assumir um rumo para o país que garanta:

a) Virar a página das políticas que traduziram a estratégia de empobrecimento seguida por PSD e CDS;

b) Defender as funções sociais do Estado e os serviços públicos, na segurança social, na educação e na saúde, promovendo um combate sério à pobreza e às desigualdades sociais e económicas;

c) Conduzir uma nova estratégia económica assente no crescimento e no emprego, no aumento do rendimento das famílias e na criação de condições para o investimento público e privado;

d) Promover um novo modelo de progresso e desenvolvimento para Portugal, que aposte na valorização dos salários e na luta contra a precariedade, relance o investimento na educação, na cultura e na ciência e devolva à sociedade portuguesa a confiança e a esperança no futuro.

e) Valorizar a participação dos cidadãos, a descentralização política e as autonomias insulares.

Lisboa, 10 de Novembro de 2015

Anexo

1. Para preparar iniciativas comuns sobre áreas fundamentais, será criado no início da legislatura um conjunto de grupos de trabalho, compostos por representantes dos partidos signatários e pelo membro do governo que tutela a área respetiva, que apresentarão relatórios semestrais:

- Grupo de trabalho para a elaboração de um Plano Nacional Contra a Precariedade, a apresentar ao Conselho Económico e Social;

- Grupo de trabalho para o estudo sobre pensões não contributivas e estrutura da proteção social e para a avaliação das medidas de combate à pobreza;

- Grupo de trabalho para a avaliação da sustentabilidade da dívida externa.

- Grupo de trabalho para a avaliação dos custos energéticos com incidência sobre as famílias e propostas para sua redução;

- Grupo de trabalho sobre a política de habitação, crédito imobiliário e tributação do património imobiliário;

2. Não constará do Programa de Governo o regime conciliatório.

3. Não constará do Programa de Governo qualquer redução da Taxa Social Única das entidades empregadoras.

4. Será reposta em vigor, em 1 de janeiro de 2016, a norma da lei nº 53-B/2006 de 29 de dezembro, relativa à atualização das pensões, com a garantia de não haver corte no valor nominal das pensões.

5. A necessidade de diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social deve ser objeto de negociação em sede de concertação social, comprometendo-se os partidos signatários a trabalhar em conjunto na proposta a apresentar pelo Governo ao Conselho Económico e Social.

6. Como forma de melhorar os rendimentos das famílias, será gradualmente reduzida até ao limite de 4 pp., sem consequências na formação das pensões, a TSU paga pelos trabalhadores com salário base bruto igual ou inferior a 600€/mensal. A perda de receita decorrente da adoção desta medida será compensada em cada ano com transferência do Estado para a Segurança Social de montante equivalente àquela redução.

7. O Salário Mínimo Nacional atingirá os 600€ durante a presente legislatura, com aumentos de 5% nos dois primeiros anos.

8. Reforço dos poderes da Autoridade para as Condições de Trabalho na regularização de falsos recibos e outros vínculos ilegais, com imediata conversão em contratos de trabalho e acesso aos respetivos direitos.

9. A reposição gradual dos salários da Função Pública inicia-se em Janeiro de 2016 (25% no primeiro trimestre; 50% no segundo; 75% no terceiro; 100% no quarto).

9. São repostos os quatro feriados eliminados na anterior legislatura.

10. Política fiscal:

a) Aumento da progressividade do IRS, nomeadamente através do aumento do número de escalões;

b) Eliminação do quociente familiar introduzido no OE de 2015, que tem uma natureza regressiva, e sua substituição por uma dedução por cada filho, sem caráter regressivo e com efeito neutro do ponto de vista fiscal;

c) Introdução de uma cláusula de salvaguarda que limite a 75 euros/ano os aumentos de IMI em reavaliação do imóvel que seja habitação própria permanente de baixo valor;

d) Proibição das execuções fiscais sobre a casa de morada de família relativamente a dívidas de valor inferior ao valor do bem executado e suspensão da penhora da casa de morada de família nos restantes casos;

e) Revisão de valores desproporcionados de coimas e juros por incumprimento de obrigações tributárias e introdução de mecanismos de cúmulo máximo nas coimas aplicadas por contraordenações praticadas por pessoas singulares, designadamente por incumprimento de obrigações declarativas;

f) Agilizar as situações e condições em que pode ser negociado e aceite um plano de pagamentos por dívidas fiscais e tributárias e à Segurança Social.

g) Redução do IVA da restauração para 13%;

h) Reverter, no que toca à recente reforma do IRC, a "participation exemption" (regressando ao mínimo de 10% de participação social) e o prazo para reporte de prejuízos fiscais (reduzindo dos 12 para 5 anos);

i) Criar um sistema de incentivos à instalação de empresas e ao aumento da produção nos territórios fronteiriços, designadamente através de um benefício fiscal, em IRC, modulado pela distribuição regional do emprego.

11. Sobre os custos das famílias com a energia elétrica e gás:

a) Redesenhar a tarifa social no sentido de a tornar automática para agregados familiares de baixos recursos e beneficiários de prestações sociais sujeitas a condição de recursos; no caso dos consumidores que, não auferindo prestações com a natureza anterior, se encontrem em situação vulnerável, a nota de rendimentos emitida pela Autoridade Tributária permitirá o cumprimento dos requisitos para a atribuição da tarifa social; os consumidores que, pelo seu nível de rendimento, estão hoje dispensados de apresentar declaração de rendimentos, deverão passar a fazê-lo para obter a nota de rendimentos da Autoridade Tributária e, dessa forma, aceder à tarifa social; o acesso à tarifa social dá acesso automático ao Apoio Social Extraordinário ao Consumidor de Energia (ASECE);

b) Retirar da fatura da energia elétrica a Contribuição do Audiovisual e incorporá-la no universo das comunicações sem perda de receita para a RTP.

12. Privatizações e Concessões:

a) Anulação das concessões e privatizações em curso dos transportes coletivos de Lisboa e Porto;

b) Reversão das fusões de empresas de água que tenham sido impostas aos municípios;

c) Reversão do processo de privatização da EGF, com fundamento na respetiva ilegalidade;

d) Nenhuma outra concessão ou privatização.

(...)

Neste dossier:

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