Ópera de Verdi torna-se uma manifestação contra o governo

Num concerto em que estava presente Berlusconi, o maestro Riccardo Muti pede que todos cantem a ária “Va Pensiero” da ópera “Nabucco” e diz: “ tenho vergonha do que ocorre no meu país”.

02 de julho 2011 - 22:41
PARTILHAR

No dia 12 de Março deste ano, a ópera de Roma foi palco de um acontecimento que marca bem a crise a que chegou a credibilidade e o apoio do primeiro-ministro Silvio Berlusconi que, aliás, estava presente.

No cartaz estava a ópera Nabucco, de Giuseppe Verdi, dirigida pelo maestro Riccardo Muti, um dos mais famosos e internacionais maestros italianos. Festejava-se o 150º aniversário da fundação da República italiana com a obra de Verdi que é considerada o símbolo na unificação italiana – e particularmente uma ária, a “Va Pensiero”, o canto dos escravos oprimidos, que fala da “minha pátria tão bela e perdida”.

Antes de o concerto começar, já tinha ocorrido algo inédito: Gianni Alemanno, presidente da câmara de Roma e do mesmo partido do poder, subiu ao palco para denunciar os cortes no orçamento da cultura feitos pelo governo Berlusconi.

O maestro Ricardo Muti fez ao Times o relato do que se passou em seguida:

“Logo no início, houve uma grande ovação no público. Depois, começámos a ópera. Correu muito bem, mas quando chegámos à famosa ária 'Va Pensiero', senti imediatamente que a atmosfera se tornava muito tensa no público. Há coisas que não se consegue descrever, mas que se sentem. Antes, reinava o silêncio do público. Mas no momento em que as pessoas viram que a 'Va Pensiero' ia começar, o silêncio se transformou num verdadeiro fervor. Podia sentir-se a reacção visceral do público à lamentação dos escravos que cantam: 'Oh minha pátria, tão bela e perdida'.”

Quando o coro estava a chegar ao fim, já se ouviam pedidos de “bis”. O público começou a gritar “Viva Verdi!” e “Viva a Itália!”.

Muti virou-se então para o público (e para Berlusconi) e disse:

“Sim, estou de acordo com isso, 'Viva a Itália'”. E prosseguiu, depois dos aplausos: “Já não tenho 30 anos e já vivi a minha vida, mas, enquanto italiano que muito percorreu o mundo, eu tenho vergonha do que ocorre no meu país. Por isso acolho o vosso pedido de 'bis' para o 'Va Pensiero'. Não é só pela alegria patriótica que sinto, mas porque esta noite, enquanto dirigia o coro que cantava 'Oh minha pátria, tão bela e perdida', pensei que se continuarmos assim, vamos matar a cultura na qual foi construída a história da Itália. E, se isso acontecesse, a nossa pátria estaria verdadeiramente 'bela e perdida'”.

Depois de novos aplausos, prosseguiu:

“Desde que reina por aqui um 'clima italiano', eu, Muti, calei-me por demasiados e longos anos. Queria agora... devíamos dar sentido a este canto; como estamos na nossa Casa, o teatro da capital, e com um Coro que cantou magnificamente, se estiverem de acordo, proponho-vos que se juntem a nós e cantemos todos em conjunto.”

O público levantou-se e todos cantaram. “Foi um momento mágico”, disse o maestro depois. “Não foi só uma representação do Nabucco, mas igualmente uma declaração do teatro da capital à atenção dos políticos”.

Termos relacionados: