Sahara Ocidental: O fracasso da ONU é o fracasso da justiça e da paz

07 de março 2017 - 17:11

No Dia Internacional da Mulher o esquerda.net conversou com Jadiyetu El Mohtar, uma lutadora nata, um exemplo de determinação e fonte de inspiração para muitas mulheres. Por Né Eme.

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"Desde o primeiro momento que alertamos as instâncias internacionais falando da nossa luta, do nosso exílio e da brutal repressão exercida por Marrocos contra a população civil nos territórios ocupados", afirma Jadiyetu El Mohtar
"Desde o primeiro momento que alertamos as instâncias internacionais para a repressão brutal exercida por Marrocos contra a população civil nos territórios ocupados", afirma Jadiyetu El Mohtar

Dona de um enorme coração e de uma imensa tranquilidade, Jadiyetu expressa-se com com uma emoção contida e envolta no carinho que transmite a sua vasta sabedoria. Não trilha um caminho fácil, mas como a maior parte das mulheres saharauis, trabalha arduamente, com empenho, generosidade, determinação e dignidade.

Qual é o papel das mulheres na sociedade saharaui?

É evidente que a sociedade saharaui sofreu uma transformação depois da ocupação de seu território pelas forças estrangeiras que, neste caso, é Marrocos, o que desencadeou um esforço coletivo de todos os saharauis. Contudo o envolvimento das mulheres e a sua entrega em prol da liberdade do seu povo torna-as dignas do lugar que ocupam na sociedade, especialmente a nível político.

As mulheres ocupam posições importantes, apenas por razões de natureza social e cultural ou porque a situação assim o exige?

É palpável a participação das mulheres nas instituições do Estado saharaui à frente de ministérios e outras instituições. Isso demonstra que o povo saharaui se comprometeu a recuperar parte da sua essência cultural e, desta forma, podemos afirmar que chegámos a um estágio em que as mulheres saharauis gozam de um estatuto muito mais avançado do que as mulheres de outros países da região.

Na sociedade saharaui tanto a nível social como político, e apesar das condições adversas como o exílio e a continuação do status quo político do conflito que enfrenta o povo saharaui tal é a força do nível da ocupação marroquina, os saharauis continuam a progredir no desenvolvimento humano através da participação das mulheres na formação de uma sociedade mais justa e igualitária.

A participação das mulheres ganha assim um papel fulcral tanto mais que estamos a abrir caminho para que as novas gerações tenham um nível de preparação superior às suas antecessoras. Este facto motiva-nos para continuar a trabalhar e rasgar horizontes no campo dos direitos e das liberdades.

Na luta pela autodeterminação, quais os pontos que destacaria no diz respeito às mulheres dos acampamentos e àquelas que estão nos territórios ocupados? Ou seja, como se completam, uma vez que a tarefa de difundir o trabalho das mulheres nos territórios ocupados não é fácil.

Os objetivos que presidiram à fundação da União Nacional das Mulheres Saharauis (UNMS) passam essencialmente por organizar as mulheres e tornar visível a nossa luta contra a descolonização que exigimos a Espanha. Par tal, é essencial quebrar o bloqueio informativo que nos foi imposto pelo poder espanhol, que nos abandonou, permitindo assim a Marrocos uma invasão militar do nosso território que dura há 41 anos. Desde o primeiro momento que alertamos as instâncias internacionais falando da nossa luta, do nosso exílio e da brutal repressão exercida por Marrocos contra a população civil nos territórios ocupados. Isto obriga-nos a passar mais tempo a denunciar a ocupação do que a dedicarmo-nos às nossas más condições de vida. Quanto às nossas irmãs nos territórios ocupados, a sua resistência é paralela à nossa e por isso complementam-se. Contudo elas têm mais dificuldades de movimento e de organização e pior ainda pelo impacto da violência que exercem as forças de ocupação marroquinas sobre elas e que tem consequências mais graves tanto ao nível físico como psicológico. Isso faz com que adotem outro tipo de estratégias nas suas formas de luta, bem como um ritmo diferente daquele que têm as mulheres nos acampamentos ou na diáspora, ainda que os objetivos prioritários sejam os mesmos ou seja: mostrar a resistência pacífica contra a ocupação e denunciar a repressão nos territórios ocupados.


 "Queremos recuperar a nossa terra e expulsar a força de ocupação"

Marrocos tornou-se membro da União Africana (UA). Como vê essa adesão. Pode apontar os pontos negativos e positivos?

A entrada de Marrocos como 55º membro da UA é uma nova etapa, não isenta de riscos e desafios não só para o povo saharaui e para a República Árabe Saharaui Democrática (RASD), como para os restantes países e povos de África. O que Marrocos pretende é fugir das responsabilidades associadas a novas estratégias que a Polisário exige à Europa para acabar com a ilegalidade dos acordos com uma potência ocupante. Foi esse o resultado na opinião do Tribunal de Justiça Europeu, portanto, Marrocos acredita que  África é um mercado aberto às suas práticas de saques e pilhagens dos recursos do nosso povo. Penso que os povos africanos vão conseguir discernir tudo isto e não cair na armadilha da UA que é conhecida pela sua intransigência e violação da lei, além da sua falta de respeito em relação ao continente há mais de três décadas.

Que avanços ou retrocessos vê por parte da ONU e da MINURSO na questão saharaui?

O papel que a ONU desempenha na resolução de conflitos deixa muito a desejar e em relação à questão do Sahara Ocidental provou a sua incompetência ao não ser capaz de cumprir as suas resoluções. E hoje mais do que nunca a MINURSO sem parte do seu contingente que foi expulso por Marrocos e sem competência para monitorizar o respeito pelos direitos humanos num território não autónomo sob a sua supervisão revela a sua falta de eficácia e assim em vez de resolver a situação acaba por legitimar a ocupação.

Acha que o referendo sobre a autodeterminação poderá ser marcado brevemente?

Após 26 anos de espera o povo saharaui quase na sua totalidade deixou de ter esperança de que a solução chegue pela via de um referendo e isso deixa as portas abertas a outras formas de expressão da sua vontade, não se limitando a ficar à espera que a ONU “traga” as urnas.

Que mensagem gostaria de enviar ao Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres?

O Secretário Geral da ONU deve saber que os/as saharauis continuam a lutar pela liberdade e respeito pelos nossos direitos desde 1970. Hoje, mais do que nunca queremos recuperar a nossa terra e expulsar a força da ocupação. Apostamos na legalidade, mas perante a situação que vivemos também é legal usar todos os meios de resistência, incluindo as armas. Que ele não deixe que cheguemos a esse extremo porque o fracasso da ONU é o fracasso da justiça e da paz.

 

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Jadiyetu El Mohtar nasceu em Dakhla, cidade do Sahara Ocidental, estudou Tradução e Interpretação da Universidade de Alcalá de Henares e atulamente é responsável pelo Departamento de Relações Internacionais da União Nacional de Mulheres Saharauis (UNMS).

Ao longo da vida foi a voz do Sahara Libre através da Rádio Nacional Saharaui, que transmitia os seus programas em espanhol a partir das zonas livres durante o colonialismo espanhol e que mais tarde passou a chamar-se Rádio Nacional Saharaui.

O seu trabalho consiste na denúncia dos atos de violência cometidos pelas forças marroquinas o que a leva a desenvolver um intenso trabalho diplomático para obter apoio político e humanitário em favor da libertação dos saharuis.