Depois de uma visita recente de uma delegação da organização pacifista Codepink ao Egito ter terminado em deportações e agressões, ficaram evidentes alguns dos horrores que os egípcios enfrentam na esteira do golpe de 3 de julho de 2013, que derrubou o presidente eleito Mohammed Morsi: mais de 2.500 civis foram mortos em protestos e confrontos com forças de segurança; mais de 16 mil estão na prisão devido às suas crenças políticas, e as denúncias de tortura são inúmeras. Milhões de pessoas que votaram em Morsi – nas eleições que os observadores internacionais declararam como legítimas – estão a viver sob terror, assim como o estão os opositores seculares do regime militar. Os níveis de violência não têm precedentes na história moderna do Egito. Com o antigo ministro da defesa Abdel Fatah al-Sisi a ser considerado o próximo presidente em eleições já também consideradas fraudulentas, o militarismo egípcio está a dar passos largos para conseguir acabar com os levantes que ganharam os corações da comunidade internacional durante a Primavera Árabe.
O caso mais notório é o julgamento de três jornalistas da Al Jazeera e os seus defensores, denunciados por alegadamente fabricarem notícias falsas e trabalharem junto da Irmandade Muçulmana. Em 10 de abril, houve uma tentativa ridícula de apresentar provas contra eles – que consistiram na base das acusações – mas não passavam de fotos de família, cavalos no campo e refugiados somalis no Quénia. O juiz dispensou as “provas”, mas não as acusações.
O Comité de Proteção a Jornalistas classificou o Egito como o terceiro país mais mortífero para jornalistas em 2013, atrás apenas da Síria e do Iraque.
Esse caso é apenas o mais notório do vasto ataque contra a liberdade de expressão no país. O governo já fechou diversos canais de televisão e redações de média impressos, afiliados à Irmandade e outras correntes islâmicas. O Comité de Proteção a Jornalistas classificou o Egito como o terceiro país mais mortífero para jornalistas em 2013, atrás apenas da Síria e do Iraque.
Um incidente que mostra como o sistema judiciário está a trabalhar lado a lado com os militares foi o infame 24 de março, onde 529 partidários de Morsi foram condenados à morte num julgamento em massa. O grupo inteiro foi acusado de matar um polícia. O julgamento consistiu em duas sessões, cada uma durando menos de 1 hora. O Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, disse que a sentença desafia a lógica e a Amnistia Internacional chamou a decisão de “grotesca”.
Nem mesmo quem possui passaporte dos EUA (aliados modernos do regime militar egípcio) escapam da perseguição: Mohamed Soltan, de 26 anos e formado pela Universidade de Ohio, estava a trabalhar no auxílio a veículos de imprensa da língua inglesa nas suas coberturas dos protestos contra o golpe militar na praça Rabaa, que foi violentamente reprimida pela polícia e resultou na morte de mais de 1.000 pessoas. Na cadeia há mais de 7 meses, Soltan está numa greve de fome desde 26 de janeiro e agora está tão fraco que não consegue nem andar. A sua situação na prisão tem sido horrível: quando foi preso, Soltan estava com um ferimento a bala que ainda não havia curado. Os dirigentes da prisão recusaram-se a tratar dele e, nesse momento, outro prisioneiro que era médico realizou uma cirurgia com alicate no chão imundo da prisão, sem qualquer anestesia. O seu julgamento já foi adiado diversas vezes e não existe qualquer previsão de que realmente vá acontecer. (ativistas nos EUA estão a mobilizar-se em sua defesa).
As organizações Mulheres Contra o Golpe e Organização Árabe pelos Direitos Humanos, relataram espancamentos e assédios sexuais de mulheres na prisão.
Ativistas feministas também têm encarado experiências desumanas. Em fevereiro, quatro mulheres foram presas por participarem de protestos contra os militares, e alegam que foram submetidas a “testes de virgindade”, enquanto estavam presas – uma prática que o líder do golpe e futuro presidente apoia. Somando-se ao horror dos testes de virgindade, a Amnistia Internacional também relatou que as mulheres presas no Egito têm de passar por duras condições, que incluem serem obrigadas a dormir no chão e não poderem utilizar a casa de banho por 10 horas (das 10 da noite às 8 da manhã). As organizações Mulheres Contra o Golpe e Organização Árabe pelos Direitos Humanos, relataram espancamentos e assédios sexuais de mulheres na prisão.
A situação interna pode ficar ainda pior: uma nova legislação “antiterrorista” está para ser aprovada pelo presidente egípcio, aumentando o poder do governo para acabar com a liberdade de expressão e prender opositores. Dois novos rascunhos de lei violam o direito à liberdade de expressão, incluindo penalidades de até três anos de prisão por se insultar verbalmente um funcionário público ou membro das forças de segurança. O governo amplia a definição existente de terrorismo para incluir ações que visam prejudicar a unidade nacional, os recursos naturais, monumentos, sistemas de comunicação, a economia nacional ou atrapalhar o trabalho dos corpos jurídicos e diplomáticos no Egito. “O problema com essas definições vagas de ‘atos terroristas’ é que elas permitem que as autoridades movam um processo contra praticamente qualquer ativista pacífico”, disse Hassiba Hadj Sahraoui, da Amnistia Internacional.
O rascunho da legislação também aumenta o âmbito para o uso da pena de morte para incluir “administração ou gestão de grupos terroristas”. A Irmandade Muçulmana foi classificadacomo grupo terrorista pelas autoridades egípcias em dezembro passado – apesar de não existir qualquer prova factual de se terem envolvido com terrorismo.
O governo norte-americano recusa-se a chamar a destituição de Morsi de “golpe”e continua a fornecer 250 milhões de dólares como apoio económico, assim como o financiamento para controlo de narcóticos e treinamento militar, mesmo tendo os antigos 1,3 mil milhões de dólares de ajuda militar suspensos.
22/4/2014
Publicado na revista Fórum
Tradução: Vinicius Gomes