Estamos a testemunhar o aparecimento de um novo tipo de movimento social, que ainda é embrionário, por isso ainda não foi capaz de alterar fundamentalmente a política. Mas foi assim em muitos momentos da História. Este pode ser o começo de um longo processo de mobilização.
O que caracteriza todos estes movimentos é que, por um lado, são sempre criados na internet, aproveitando-se da autonomia do ciberespaço para promover debates e interagir. Mas passam frequentemente, no momento seguinte, ao espaço urbano — e constroem redes sociais físicas de interação. A combinação do ciberespaço e do espaço público com alguma contestação ao sistema institucional é o que caracteriza estes movimentos. Eles aparecem e desaparecem. E estão sempre na internet. Eu chamo as suas dinâmicas de rizomáticas.
Nos últimos tempos, vemos, particularmente na Europa, o surgimento de alguns esforços para exercer influência sobre o próprio sistema político. Sempre que há uma nova eleição, aparecem novas formas de expressão política, com as quais não necessariamente concordo ou apoio, mas estão a mostrar um claro descontentamento com o sistema político.
O padrão comum fundamental é o uso da internet, a ocupação do espaço urbano (mas não apenas) e a possibilidade de recriar uma nova forma de representação democrática. Por fim, estes movimentos não tratam de causas específicas que estão relacionadas apenas com o seu próprio país. São, até certo ponto, iguais no seu objetivo, que é reconstruir a democracia de baixo para cima.
O que muitas pessoas se perguntam é “então, qual é o resultado desses movimentos?” Para a maioria dos participantes dos movimentos, eles estão a começar um processo. Isso é o que dizem: que precisamos de fugir da lógica produtivista do capitalismo. Eles acreditam que há um novo processo de crescimento de consciência e mobilização das pessoas. Os movimentos estão a encorajar as pessoas a acreditar que não precisam necessariamente de delegar o seu poder aos políticos e o seu dinheiro aos bancos, em que não confiam. Estamos num ponto em que a falta de confiança é esmagadora. Então, surge a noção de que as pessoas estão a ser empoderadas por estes movimentos — e não apenas as que participam diretamente deles. Em países como Espanha, 70% da população apoia os movimentos, apesar de pensar que eles não podem mudar nada a curto prazo. Então esta é a primeira coisa, os movimentos têm que ampliar a consciência e estimular o empoderamento das pessoas.
É possível, até agora, apontar alguns exemplos de impacto dos movimentos sobre a política. É o caso da Islândia. Lá, a sociedade inteira envolveu-se, via internet, na redação de uma nova Constituição. Os bancos foram nacionalizados e depois reprivatizados sem favores; o país preservou direitos e vai muito bem. Bem, é um país pequeno, mas o Chipre também é. Um é exemplo dos impactos negativos da crise; o outro, de como, a partir da crise, se pode transformar o sistema político e resgatar a democracia e a sociedade. É assim que pensam, atualmente, as pessoas que participam dos movimentos. Veem-se a plantar a semente do que será, em algum momento, uma transformação inclusive das relações de poder e das relações sociais.
A alternativa é a emergência de movimentos populistas de direita. Isso está particularmente claro na Finlândia, na Grécia e mesmo no Reino Unido. Por isso, os novos movimentos têm também o papel de canalizar o protesto popular para sentimentos positivos e esperança, ao invés das atitudes reacionárias e destrutivas do nacionalismo xenófobo.
Transcrição e tradução de Gabriela Leite para o Outras Palavras.
Ver entrevista de Castells ao Guardian.