Itália: "Algo mudou depois de 12 de dezembro, mas o caminho é ainda muito difícil”

04 de janeiro 2015 - 11:01

Franco Turigliatto, antigo senador italiano, salienta em entrevista que a greve geral de 12 de dezembro em Itália, convocada pelas centrais sindicais CGIL e UIL, “foi um claro êxito, com manifestações massivas em 54 cidades (40.000 pessoas em Milão e em Turim, e mais de 20.000 em Roma e Nápoles)”.

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Manifestação de 12 dezembro (dia da Greve Geral) em Milão - Foto CGIL/flickr

Entrevista ao antigo senador da Rifondazione Comunista, Franco Turigliatto que faz parte da direção de Sinistra Anticapitalista, realizada por Alain Krivine.

Qual a importância das mobilizações de 12 de dezembro?

Depois de anos de uma passividade total das grandes organizações sindicais face à política de austeridade levada a cabo pelos governos dos patrões (Berlusconi, Monti, Letta), houve finalmente uma greve geral contra as medidas do atual governo Renzi composto pelo Partido Democrata (PD), um partido de centro e o autodenominado Novo Centro direita. De facto, tem também do apoio da Forza Itália de Berlusconi, ainda que formalmente este partido esteja na oposição. É um governo dos patrões alinhado com a política da Troika europeia, independentemente da propaganda demagógica de Renzi.

A greve foi convocada pela principal central sindical, a CGIL, e pela UIL (os dirigentes destas duas centrais sindicais estão filiados no PD) e foi um claro êxito, com manifestações massivas em 54 cidades (40.000 em Milão e em Turim, e mais de 20.000 em Roma e Nápoles). A outra grande organização sindical, a CISL ainda mais progovernamental, não participou na greve.

A greve aconteceu depois de cerca de dois meses de mobilizações. Começou com lutas pela defesa do emprego, em particular na metalurgia. Depois, em Roma a 25 de outubro houve a grande manifestação nacional da CGIL em que participaram várias centenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras. Finalmente, a greve muito combativa de 14 de novembro, convocada pelos metalúrgicos da FIOM/CGIL no centro norte do país (no sul e nas ilhas, a greve teve lugar noutra data) com um grande desfile muito antigovernamental em Milão.

No mesmo dia teve lugar a "greve social", isto é a greve dos sindicatos de base, dos movimentos sociais, dos trabalhadores precários e dos estudantes, com manifestações em dezenas de cidades. Neste contexto de luta, com um governo que ataca diretamente os direitos dos trabalhadores e inclusive os aparelhos sindicais, os dirigentes da CGIL e da UIL viram-se obrigados a convocar a greve.

Quais são as linhas de ataque do governo e dos patrões?

No centro dos ataques está a nova lei sobre o direito do trabalho (o que se chama o Jobs Act), que destrói completamente os direitos dos trabalhadores nas empresas. São direitos que estão garantidos pelo código de trabalho de 1970, uma das conquistas daquele grande período de lutas do movimento operário italiano. Na nova lei dá-se aos patrões toda a liberdade para despedir e vigiar os trabalhadores, e reduzir as suas qualificações, a fim de garantir uma maior exploração.

Depois está a lei de estabilidade financeira que combina dois tipos de medidas: um grande presente à confederação patronal, com uma forte redução dos impostos para as empresas, e novos cortes nas despesas sociais do estado, das regiões e dos municípios.

Por outro lado, está em curso um processo de privatização da escola pública. Por fim, há um decreto "Desbloquear Itália", que dá mãos livres à especulação imobiliária e à destruição do meio ambiente.

Que consequências pode ter esta jornada a nível político e na recomposição do movimento operário?

A questão de fundo está em saber se este movimento continuará após a jornada de 12 a pôr em questão a política do governo. Depois de anos de grande passividade, algo mudou, mas o caminho da recomposição de um movimento operário organizado e combativo é ainda muito difícil. Estamos portanto longe da reconstrução de uma unidade entre os diferentes movimentos e as diferentes gerações.

Este processo é absolutamente necessário para fazer frente não só à ação dos capitalistas, que querem uma sociedade vencida e fragmentada, mas também para combater a presença cada vez mais ameaçadora da Liga do Norte de Salvini (que fez uma viragem nacionalista e que atua já em pleno acordo com a Frente Nacional de França) e contra os seus aliados da extrema direita que, nesta decomposição da sociedade, esperam construir o seu projeto racista, reacionário e antidemocrático.

Quais têm sido os papéis dos partidos, dos sindicatos e dos movimentos sociais?

Os grandes partidos oficiais que governaram nestes últimos anos são todos gestores da austeridade. As forças da esquerda são débeis e estão divididas, ainda que, em torno da “Lista Tsipras”, que nas eleições europeias superou o limiar de 4%, estejam em curso tentativas de unidade e de recomposição. De momento dominam as dificuldades, em parte porque a principal formação, Sinistra Ecologia e Libertà (SEL) de Vendola, procura a unidade com o PD. A Rifondazione debilitou-se muito nestes últimos anos e tem divisões internas. Além disso, uma grande parte desta esquerda está ainda muito dependente ou ligada ao aparelho da CGIL ou à ala esquerda da direção da FIOM.

A direção burocrática da CGIL tem a grande responsabilidade de ter avalizado durante anos a política liberal. Hoje é obrigada a tomar a iniciativa, mas é difícil pensar que vai construir um movimento global à altura dos ataques em curso. Isto explica-se também porque o seu principal objetivo é assegurar um lugar na “mesa de negociações”, jogar um papel de mediação com o governo, salvaguardando ao mesmo tempo o seu aparelho e a sua credibilidade perante os trabalhadores, encontrando compromissos que limitem os danos. Esta orientação expressou-se na plataforma reivindicativa de 12 de dezembro que era muito geral e não pedia, simplesmente, a rejeição das medidas do governo.

A batalha para dar continuidade à luta na base de uma plataforma clara e radical e pela convergência entre o movimento operário e os movimentos sociais é a que leva a cabo a minha organização, Sinistra Anticapitalista.

Há reagrupamentos de “luta de classes” nos sindicatos ou fora deles?

No último congresso da CGIL emergiu uma corrente de esquerda, pequena mas significativa e ativa: “O sindicato é algo diferente”. É uma oposição na CGIL, presente em todas as categorias mas em particular entre os metalúrgicos.

E depois há diferentes sindicatos de base, cuja capacidade de ação e de mobilização, politicamente importante, é no entanto limitada. Houve tentativas de tomar iniciativas unitárias (por exemplo entre estas diferentes forças na jornada de 14 de novembro) mas domina ainda um espírito sectário de autodefesa, que se caracteriza pela decisão muito errónea de não participar na greve de 12 de dezembro. Afastaram-se de facto da grande massa dos trabalhadores e trabalhadoras que optaram por se mobilizar nessa jornada crucial. Com esta orientação política, é difícil debilitar as posições dos aparelhos sindicais maioritários.

Que aconteceu a Beppe Grillo e ao seu movimento?

O movimento Cinco Estrelas (M5 stelle) é a principal força de oposição parlamentar. Nas instituições leva a cabo batalhas democráticas significativas, entre elas a da Jobs Act. É uma força que atravessa hoje dificuldades ainda que tenha um importante apoio eleitoral. Para além de uma gestão “patronal” e vertical dos seus dois chefes, o M5 é uma força que não se expressa no plano social, nas lutas e nas mobilizações. Simplesmente, não as compreende. Muitos dos seus eleitores participam nos movimentos sociais e estavam certamente na rua a 12, mas o partido como tal, por causa da sua natureza política e de classe (nem de direita nem de esquerda…) e da sua estratégia, não é capaz de ser um sujeito ativo na construção de uma mobilização social, e em particular da classe operária. Reconstruir o movimento operário não é o seu problema. Ao contrário, os seus sucessos eleitorais vêm de uma combinação de raiva e de passividade social. A reconstrução de um movimento operário e social forte é mais do que nunca a tarefa da esquerda com uma orientação de luta de classes.

Entrevista publicada em npa2009.org, traduzida para espanhol por Faustino Eguberri para Viento Sur e para português por Carlos Santos para esquerda.net

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