Depois de apresentado e discutido o relatório preliminar do Grupo Técnico da Iniciativa por uma Auditoria Cidadã à Dívida (IAC) na parte da manhã, o Encontro recomeçou com o debate sobre o futuro da iniciativa. A proposta aprovada na tarde de sábado reafirma a exigência da renegociação urgente da dívida enquanto "afirmação de vontade e de soberania democráticas" por parte do Estado português e a suspensão do pagamento dos juros enquanto durar a negociação. A IAC decidiu ainda lançar "uma campanha de sensibilização e mobilização da opinião pública pela necessidade de renegociação da dívida e para que o Parlamento promova "uma Comissão de Auditoria e Preparação da Renegociação da Dívida Pública Portuguesa, aberta à participação e escrutínio cidadão".
O encontro serviu também para "prestar contas a quem elegeu a Comissão de Auditoria na Convenção" do ano passado, afirmou Ana Benavente ao esquerda.net. A socióloga e ex-deputada do PS fez o contraste entre o trabalho desenvolvido pela Comissão para conseguir e divulgar informação sobre a dívida pública e a postura de "um Governo abusador, que procura destruir a sociedade e fala em nome da sociedade civil fechando as portas", referindo-se ao encontro do Palácio Foz em que o Governo "fala à porta fechada com uma suposta sociedade civil que só existe na sua representação".
"O processo de auditoria cidadã é absolutamente decisivo e fundamental para que não fiquemos reféns desta armadilha em nome de uma dívida que nós, cidadãos, não contraímos", acrescentou Ana Benavente. A próxima Comissão de Auditoria irá contar com 54 membros que continuarão o trabalho desenvolvido até agora e coordenar a campanha pela renegociação da dívida. "Somos uma democracia frágil e recente e nós, cidadãos, não podemos desistir sem lutar" contra as desigualdades e o roubo das conquistas sociais.
"A reestruturação da dívida está para acontecer"
A intervenção de encerramento do Encontro Nacional coube a Eugénia Pires, que defendeu a "urgência da suspensão do pagamento do serviço da dívida", para que o país não fique asfixiado pelo peso da dívida e assim possa destruir "esta narrativa da inevitabilidade da austeridade e que o Estado Social não é sustentável". Para a economista que acompanhou a reforma do mercado primário e secundário de dívida pública em Portugal entre 1998 e 2006, "a reestruturação da dívida é inevitável e está para acontecer".
Mas a IAC não quer repetir o recente processo de reestruturação da dívida da Grécia. "Queremos uma reestruturação que seja liderada pelos Estados soberanos e não pelos credores", afirmou Eugénia Pires, que também se referiu à necessidade de "prevenir ataques especulativos" e "ter um Banco Central que não proteja os interesses da banca".
Para a economista da IAC, a suspensão do pagamento dos juros da dívida "permitirá a libertação de fundos para o crescimento económico e acabar com a destruição que está a acontecer" na economia portuguesa.
Reestruturação da dívida grega "foi um roubo"
"Pagar ou não pagar a parte ilegítima da dívida deve ser um tema central", continua a defender Éric Toussaint, que fez parte da Comissão Presidencial de Auditoria Integral à Dívida Pública no Equador após a vitória eleitoral de Rafael Correa. Mas quando o tema é a reestruturação, Toussaint dá o exemplo da Grécia - que viu recentemente a dívida reestruturada pelos credores - para afirmar que os gregos foram vítimas de "um roubo". "Em março de 2012, a relação da dívida com o PIB era de 160%. Segundo o FMI, em 2013, depois de um ano de 'redução da dívida', ela representará 182% do PIB grego. Quer dizer que a dívida aumentou e passou dos bancos privados para a troika", acrescentou Toussaint.
O ativista que coordena o Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo recorreu a exemplos históricos para provar que "todas as reduções radicais da dívida foram resultado do ato unilateral por parte de um país endividado", sendo as únicas exceções os países que serviram os interesses norte-americanos, como a Polónia após o colapso da União Soviética e o Egito na crise do Golfo, no início dos anos 90. E concluiu que "os povos europeus não podem esperar da troika uma reestruturação justa e aceitável".
Éric Toussaint reforçou ainda a ideia da auditoria cidadã da dívida como "instrumento para consciencializar e mobilizar o povo contra as políticas antisociais e a dívida ilegítima", mas também para "conseguir uma interrupção do pagamento, obrigando os credores a assumir as perdas, ou repudiando a parte ilegítima da dívida". Ou seja, para o universitário belga a auditoria "não é um exercício apenas inteletual para demonstrar o que a dívida significa, mas um instrumento para mobilizar as pessoas".