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Argentina: mudanças na segurança social aprovadas num parlamento cercado de protestos

Mesmo depois da aprovação da lei que altera os cálculos das pensões e a idade da reforma, as manifestações prosseguiram. Governo procura criminalizar os protestos. Por Luis Leiria, do Rio de Janeiro
Foto PSTU/Facebook

Os argentinos continuam nas ruas em protesto contra as alterações às introduzidas no regime de pensões e reformas. A contra-reforma, chamada de “lei previsional”, foi aprovada na manhã da última terça-feira, depois de uma sessão na câmara dos deputados que atravessou a noite e durou 12 horas. Mesmo depois de aprovada, a lei foi alvo de novas manifestações na tarde desse mesmo dia, quando os “caçerolaços” de protesto tomaram as ruas de muitas cidades do país e voltaram à frente do Congresso na capital.

Apesar da força dos protestos, um setor da oposição peronista deu os votos necessários ao partido Cambiemos, do presidente Maurício Macri, para aprovar a lei por 127 votos a favor e 117 contra.

Apesar da recente vitória do Cambiemos nas eleições legislativas de outubro deste ano, não está a ser fácil ao governo aprovar um conjunto abrangente de contrarreformas que inclui também a legislação laboral e tributária.

As manifestações multitudinárias e os enfrentamentos com a polícia diante do Congresso no último dia 14 já tinham provocado o adiamento da votação. A violência policial, transmitida pelas televisões em direto junto com os debates no interior do parlamento, embaraçou os deputados da bancada do governo que optaram por cancelar a votação. Nesta terça, porém, e apesar de novos protestos e confrontos, a lei acabou por ser aprovada.

As mudanças introduzidas

Estas são as principais mudanças na lei que atinge atuais e futuros reformados e pensionistas na Argentina:

– A nova lei altera o cálculo do reajuste das pensões e reformas de forma prejudicial aos trabalhadores. De tal forma que em março de 2018, data prevista para o reajuste, este seria de 12% pela antiga lei, e será de 5,8% pela lei agora aprovada.

– Até agora, não havia idade limite para a reforma, o trabalhador podia pedi-la a partir do momento em que tivesse 30 anos de descontos. Agora, passa a haver uma idade limite, os 70 anos, Por outro lado, as mulheres que por uma lei anterior (a da reparação histórica) podiam reformar-se aos 60 anos mesmo tendo menos de 30 anos de descontos, passam a só poder fazê-lo aos 65 anos.

– As mulheres são as mais prejudicadas pela nova lei, denunciam coletivos feministas, principalmente as donas de casa e as empregadas domésticas, um setor onde reina a precariedade. A nova lei só lhes assegura 80% do salário mínimo. “Estão a fabricar novos pobres”, denuncia uma economista ouvida pelo jornal Página 12.

– Para piorar, a Asignación Universal por Hijo, um abono de família pago às famílias de rendimentos mais baixos, foi também reduzido.
Nem sequer se pode argumentar, a favor da lei, com o desequilíbrio das contas da segurança social, já que junto com a lei previsional foi aprovado um pacto fiscal entre o governo e os governadores provinciais (incluindo os peronistas) que, ao diminuir alguns impostos e contribuições patronais, reduz gravemente os recursos da Administración Nacional de la Seguridad Social (ANSES), a Segurança Social, que perderá em 2018 cerca de 68 mil milhões de pesos de arrecadação.

Violência policial e criminalização dos protestos

Em Buenos Aires, durante todo o dia, a polícia carregou contra os manifestantes, disparando balas de borracha à altura da cabeça e provocando inúmeros feridos, um dos quais perdeu um olho. São muitos os vídeos que comprovam a sanha policial, pulverizando de gás pimenta e agredindo os manifestantes, muitos deles idosos reformados. O governo procura agora contra-atacar, aproveitando-se de imagens da resistência de trabalhadores para desviar a atenção das medidas  aprovadas e da sua política repressiva (houve mais de 50 manifestantes presos) para afirmar que a violência esteve do lado dos manifestantes. O operário da General Motors Sebastián Romero, filmado atirando um fogo de artifício (de venda livre), está a ser procurado pela polícia depois de um juiz decretar a sua prisão no quadro das “investigações sobre a violência ocorrida”.

Ler também: Solidariedade contra a repressão na Argentina

Um manifesto subscrito por dezenas de organizações políticas e sociais pede o fim da perseguição e o arquivamento dos processos a Sebastián Romero e outros ativistas, lembrando que foi o governo quem “reprimiu violentamente milhares de trabalhadores na Praça do Congresso a serviço de suas leis contra os aposentados e o povo”, e recordando as dezenas de presos, “de feridos graves e companheiros que perderam a visão”. O texto pede a demissão da Ministra [de Segurança da Nação Patricia] Bullrich e a responsabilização de Macri pela repressão. “Eles são os violentos”, conclui.

E no Brasil?

Os grandiosos protestos argentinos provocaram um sobressalto no Brasil, onde a contrarreforma da segurança social defendida pelo presidente Temer é muito mais profunda. Diferente do presidente argentino, que vem de uma vitória eleitoral há apenas dois meses, Temer é o recordista em falta de apoio (5% de aprovação); mas tal como Macri, tenta aprovar uma enorme lista de contrarreformas. Já aprovou uma lei laboral que derroga dispositivos de proteção dos trabalhadores dos tempos de Getúlio Vargas, e prepara-se agora para submeter à Câmara dos Deputados a reforma da Previdência. A sua votação foi porém adiada para o ano que vem, por o governo não ter garantido o número de votos favoráveis suficiente para a aprovação.

O obstáculo, porém, é mais a proximidade das eleições de outubro do ano que vem do que a mobilização dos trabalhadores. Depois de uma greve geral bem sucedida em 28 de abril, a maioria das centrais sindicais desconvocou uma greve geral marcada 30 de junho e repetiu a dose no dia 5 de dezembro, dando o adiamento da votação parlamentar como pretexto para o segundo cancelamento. O exemplo da Argentina veio mostrar que barrar as contrarreformas exige mais do que uma mobilização às vésperas da votação parlamentar.

 

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