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A Troika e a Matrioska

O resgate da democracia passa hoje por uma rutura com a prisão em que a União Económica e Monetária se tornou.

Os políticos da crise e da austeridade fazem questão de repetir à exaustão que tudo o que a Grécia ganhou nas negociações com o Eurogrupo pertence ao universo da semântica. E dão invariavelmente como exemplo o facto de a interlocução de Atenas ter passado a ser feita com as instituições europeias e não mais com a Troika. Semântica pura, dizem-nos.

Há nesta avaliação um erro e um acerto. O erro é o de não dar qualquer valor ao lado simbólico que a luta política sempre encerra. O desaparecimento de cena da Troika é um ato de higiene democrática porque se elimina uma entidade absolutamente estranha a qualquer legitimidade representativa. Agora todos – incluindo mesmo o arrependido Juncker – foram contra a demasiada centralidade dessa institucionalidade não democrática que foi a Troika. Mas antes da eleição do Syriza e da sua denúncia desse lado institucional do atentado à democracia que é a Troika ninguém ousou fazê-lo e todos lhe prestaram vassalagem como instância de poder indiscutível.

Há, porém, um acerto fundamental na crítica de que com Troika formal ou com instituições europeias sem essa designação de conjunto, a diferença de política é coisa nenhuma. Como se aberta a boneca russa da Troika ficasse uma nova boneca russa das instituições europeias com o mesmo figurino de tratamento dos problemas.

O que os políticos da crise e da austeridade nos estão a dizer quando atiram para o campo da semântica a existência formal ou não de Troika é que isso é realmente irrelevante para o domínio das políticas concretas. Estão a dizer-nos que a União Europeia não é, de facto, outra coisa senão o essencial da Troika.

Neste erro e neste acerto, os políticos da crise e da austeridade sublinham afinal o essencial do que está em jogo no confronto do governo de Atenas com as autoridades de Bruxelas: é que o resgate da democracia passa hoje por uma rutura com a prisão em que a União Económica e Monetária se tornou. Sem essa rutura, a substituição da Troika pelas instituições europeias, sendo simbolicamente importante, é algo que conhecemos bem: alternância sem alternativa.

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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