Sobre a arte de dar o dito pelo não dito

porPedro Filipe Soares

20 de dezembro 2013 - 0:02
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Para desviar a atenção da sua mudança de posição, do desastroso telefonema entre Seguro e Passos, da cedência do PS à agenda fiscal de PSD e CDS, o deputado João Galamba reedita uma boa parte do discurso da direita e aponta baterias contra o Bloco de Esquerda.

O PS chegou a acordo com o PSD e CDS para viabilizar a reforma do IRC. Depois de fervorosas intervenções em que atacou a reforma do IRC proposta pela maioria, o deputado João Galamba, do PS, passou agora a ter fervorosas intervenções em defesa do acordo que viabiliza a reforma do IRC. Foi essa a peça a que assistimos na comissão parlamentar ao início da tarde.

A retórica foi inflamada, mas apenas para tentar esconder o conteúdo. Sobre o acordo com a direita, esse que é o verdadeiro conteúdo, pouco foi dito que verdadeiramente fosse relevante. Claro: entradas de leão, saídas de sendeiro… O PS acabou a branquear a escolha da direita de uma reforma do IRC que torna ainda mais injusto o nosso sistema fiscal, protegendo os grandes interesses económicos à custa de um continuado abuso fiscal sobre as famílias.

Agora, terminado o debate na comissão parlamentar, o deputado João Galamba não estava satisfeito e procurou uma segunda volta nas redes sociais. Assim, fez uma nota no facebook (https://www.facebook.com/joao.galamba/posts/10202479745492730), novamente inflamada, (também) contra o Bloco de Esquerda e uma suposta incoerência na votação da especialidade. Porque a afirmação é falsa, limito-me a utilizar os mesmos meios para a rebater.

Diz o deputado que o Bloco de Esquerda votou ao lado da direita contra uma proposta do PS que impediria que a Goldman Sachs ficasse isenta de pagamento de impostos pela participação nos CTT. Esta afirmação é uma deturpação grosseira da realidade. Em primeiro lugar, porque a proposta do PS é a defesa do Grupo BES e das suas isenções fiscais, como o próprio deputado admitiu no debate em plenário. Por outro lado, omitiu que o Bloco de Esquerda também votou contra a proposta de PSD e CDS, que aumentava ainda mais o universo das grandes empresas que tinham acesso a estas isenções fiscais.

Perante isto, fica claro que o Bloco de Esquerda está contra estas isenções fiscais e que a verdade é a da coerência, porque as rejeita. Rejeitamo-las quando propostas pelo PS e que beneficiavam o Grupo BES, rejeitamo-las quando propostas por PSD e CDS e que beneficiavam a Golman Sachs, entre muitos outros.

A retórica tem destas coisas e a incoerência também. Para desviar a atenção da sua mudança de posição, do desastroso telefonema entre Seguro e Passos, da cedência do PS à agenda fiscal de PSD e CDS, o deputado João Galamba reedita uma boa parte do discurso da direita e aponta baterias contra o Bloco de Esquerda. É pena, poderia empregar melhor a energia em defesa das bandeiras que o próprio PS dizia levantar neste processo: a redução da carga fiscal das famílias, a redução do IRS, do IVA. Mas, claro, isso caiu por terra no acordo com a direita…

Pedro Filipe Soares
Sobre o/a autor(a)

Pedro Filipe Soares

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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