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SA, licença para matar

Em Agosto de 2006, a multinacional Trafigura transportou lixo tóxico para a Costa do Marfim, despejando-o de seguido em vários locais a céu aberto em redor de Abidjan, a maior cidade do país com quatro milhões de habitantes.

Esta acção provocou a morte de pelo menos quinze pessoas e 31 mil registaram problemas de saúde, nomeadamente complicações respiratórias, queimaduras de pele, hemorragias, vómitos e diarreia.

Antes do despejo em África, a Trafigura tentara entregar os resíduos a uma empresa no porto de Amesterdão que acabou por não os aceitar por verificar que não se tratava de resíduos de lavagem de tanques como a multinacional alegava. A Trafigura ter-se-à metido num negócio em que lucraria sete milhões de dólares de uma só vez: a compra de gasolina mexicana contaminada com enxofre que depois tratava a bordo com soda caústica. Os resíduos tóxicos eram o resultado deste tratamento.

A multinacional sempre negou qualquer responsabilidade. Defende que os seus resíduos só provocariam sintomas ligeiros semelhantes ao de uma gripe e que para além disso tinha subcontratado uma empresa para os transportar até à Costa do Marfim. Contudo, ao mesmo tempo que manteve e mantém esta linha de argumentação foi fazendo acordos. Logo em 2007 pagou 200 milhões de dólares ao governo da Costa do Marfim. No ano passado, acordou extra-judicialmente pagar um total de 45 milhões de dólares às 31 mil pessoas afectadas como compensação pelos danos à saúde. Pouco mais de mil euros por pessoa.

Pelo caminho, se a empresa tentou resolver o caso dos resíduos assassinos fora do tribunal, recorreu aos tribunais de vários países para impedir vários órgãos de comunicação de relatar os factos. No seu esforço mais surpreendente, a multinacional tentou impedir que se noticiasse os procedimentos parlamentares de um deputado inglês sobre o caso. Contudo, esta proibição foi contraproducente já que uma campanha na internet levou a informação ainda mais longe.

Há algumas semanas, um tribunal holandês considerou a Trafigura culpada de despachar resíduos perigosos para Amesterdão, de ocultar a sua natureza e de os exportar para a Costa do Marfim. A multinacional foi condenada ao pagamento de um milhão de euros e dois funcionários subalternos a uns meses de prisão com pena suspensa. Pela primeira vez, a empresa fora considerada culpada pelo sucedido, apesar de já em 2009 um relatório das Nações Unidas a apontar como responsável e de entretanto a imprensa ter publicado uma troca de mails entre a hierarquia da empresa demonstrando que estavam bem cientes da perigosidade dos resíduos e a intencionalidade do despejo.

Esta é uma história que se conta a si própria. Uma multinacional em busca do lucro imediato não hesita em colocar dezenas de milhar de pessoas em risco. Em virtude das suas acções deliberadas morreram pelo menos quinze pessoas, para além dos feridos e da contaminação de vários locais em redor de uma cidade populosa. Se estes actos fossem perpetrados por um indivíduo, por mais que se esforçasse, teria que ser julgado por estes crimes e, por mais dinheiro que atirasse para a fogueira, caso fosse considerado culpado teria que cumprir pena por aquelas mortes. Como se trata de uma multinacional parece viver na protecção de uma redoma de vidro, tratando das mortes que provoca como trata dos seus negócios: quanto custa?
 

Sobre o/a autor(a)

Biólogo. Dirigente do Bloco de Esquerda
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