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RSI: Mitos e Realidades

Os beneficiários do RSI não recebem fortunas nem vivem na opulência. O valor médio da prestação paga a cada beneficiário é de 88€, ou seja, 2.80€ por dia.

O senso-comum em torno do RSI está repleto de ideias falsas, caraterizando os beneficiários como preguiçosos, laxistas e fraudulentos. Grande parte dos beneficiários fazem parte da população ativa mas não querem trabalhar. Ganham entre 400€ e 600€, vivem na opulência e à custa dos contribuintes, assim dita o senso-comum. Em suma, retirando o politicamente correto, são considerados parasitas que vivem à custa dos contribuintes que trabalham. Este pensamento assenta-se na ideia de que os pobres tem uma “dependência patológica” que resulta no seu desamparo moral, ameaçando os valores e a ética do trabalho.

Agora vamos ver se o discurso aguenta o escrutínio dos números. Quando o argumento é um mito, não há nada como a realidade.

Quem são os beneficiários?

De acordo com os últimos dados disponíveis do Ministério da Segurança Social, 65% dos titulares são do sexo feminino. Atualmente, a população beneficiária caracteriza-se por ser uma população jovem já que 39% dos beneficiários possuem idade menor ou igual a 18 anos. Se a esta percentagem juntarmos os reformados e pessoas com estatuto de invalidez vemos que a maioria dos beneficiários do RSI, 59%, não faz parte da população ativa. Ou seja, grande parte dos beneficiários do RSI não são pessoas que não querem trabalhar, são crianças, pensionistas e trabalhadores. Queremos mesmo que crianças, jovens em idade escolar, idosos, trabalhadores e pessoas com estatuto de invalidez trabalhem?

Quanto é que recebem?

Ao contrário das conversas de café, os beneficiários do RSI não recebem fortunas nem vivem na opulência. O valor médio da prestação paga a cada beneficiário é de 88€, ou seja, 2.80€ por dia. Este valor é ligeiramente menor que o do ano passado em igual período que era de 93€. O valor médio da prestação pago por agregado é de 243€ por mês, menos 5€ que em Junho de 2010. Mas estes valores deverão ser reduzidos ainda mais, já que o bolo total do RSI cai de 440 milhões para 370 milhões de euros. A nível da despesa da Segurança Social, o RSI representa menos de 2%.

Os beneficiários vivem à custa do RSI?

Cerca de 58% dos beneficiários do RSI não possui qualquer rendimento para além da própria prestação. Como vimos, grande parte destes beneficiários são crianças. Por outro lado, cerca de 42% possui outros rendimentos para além do RSI. Neste bolo 35.015 beneficiários trabalham e 16.917 são pensionistas. Não será isto fraude? Não porque os seus rendimentos (salários, pensões, etc) são tão baixos que o RSI serve como complemento para poderem (sobre)viver.

Quantos pessoas recebem o RSI?

Em Dezembro de 2010, o número de beneficiários ativos perfazia um total de 373.839, valor que baixou em relação a Dezembro de 2009 que eram 409.886. Os últimos dados disponíveis, de Junho 2011, apontam que o número de beneficiários baixou para 372.632. Fazendo as contas com estes números, vemos que os beneficiários do RSI representam 3,6% da população residente em todo o território nacional. Mas a grande concentração de beneficiários encontra-se no distrito do Porto com 122.454 beneficiários o que representa 32,9% dos beneficiários a nível nacional.

Existe uma grande taxa de fraude no RSI?

Não. Estima-se que a taxa de fraude do RSI ronda os 13%. Os últimos relatórios demonstram que 2% é o valor da cessação da prestação por “Falsas Declarações” ou seja, por fraude. Esta percentagem sofre descidas todos os anos desde que o RSI se tornou na prestação mais fiscalizada da Segurança Social e desde o levantamento obrigatório do sigilo bancário. O RSI é a medida mais fiscalizada tanto a nível administrativo como a nível social.

O RSI serve para alguma coisa?

Serve. O objetivo principal do RSI é atenuar a severidade da pobreza e, paralelamente, favorecer a progressiva inserção social e laboral. Se não fossem as políticas sociais do Estado, quase metade da população portuguesa estaria em risco de pobreza. Contudo, apesar do RSI conseguir atenuar a severidade da pobreza, não consegue fazer um combate eficaz à própria pobreza, visto que não a elimina. Muitas das perceções em torno do RSI assentam-se nesta lógica: não consegue combater a pobreza de forma eficaz, logo está a falhar no seu objetivo. Errado. O RSI nunca foi desenhado e operacionalizado para combater a pobreza estrutural, mas é um apoio estatal que visa ter uma intervenção focalizada junto das pessoas que caem nas malhas da pobreza, dando algum apoio económico, mas sobretudo, fazer uma acompanhamento de cada caso. Os objetivos do RSI passam por garantir que as pessoas mais pobres tenham acesso a um limiar mínimo de recursos.

O RSI não vai resolver os problemas da pobreza, porque a pobreza é a expressão mais visível de uma estrutura socioeconómica desigualitária. A maneira mais eficaz de combater a pobreza é através da redistribuição de riqueza.

Os beneficiários merecem o RSI?

O discurso hegemónico enverga pela argumentação de que os beneficiários são merecedores de uma prestação como o RSI, por vários motivos, mas principalmente por serem preguiçosos. Contudo, como vimos anteriormente, os beneficiários do RSI não são laxistas nem preguiçosos. Agora, existem beneficiários preguiçosos? Certamente. Contudo, só pela lógica argumentativa vamos fazer de conta que todos os beneficiários do RSI são preguiçosos. Pessoas que não querem fazer nada, que querem simplesmente viver na preguiça devem ter direito a receber um apoio do Estado? A questão central que domina o debate é se merecem ou não. Certamente, numa sociedade que glorifica o trabalho, os preguiçosos não merecem. A questão é: uma pessoa ou um agregado família que não tenha rendimento, que não tem forma de subsistir, deve ou não receber um auxílio económico por parte do estado? Se acharmos que não, então temos que regredir no tempo e debater o estado social e o que é que são direitos. Se acharmos que devem, não podemos defender o RSI e depois fazer depender a sua aplicação pelos comportamentos individuais dos beneficiários.

Não dava para dar sacos de arroz e de esparguete?

Tecnicamente é possível, aliás é a pratica corrente nos Estados Unidos. Contudo, não se faz o combate à severidade da pobreza com sacos de arroz ou esparguete. O pagamento em géneros às pessoas mais pobres é simbolicamente violento, é dizer às pessoas que não conseguem gerir a sua vida, que a culpa da sua pobreza é somente delas, ignorando as condições socioeconómicas estruturais. Numa situação em que uma pessoa se encontra numa posição de fragilização social e económica, a solução não é dar-lhe vales, a solução passa pela responsabilização da pessoa ao conferir um rendimento que terá de gerir e sobre qual pode tomar as suas próprias decisões, como pagar o quarto, a farmácia, etc. Por mais pequeno que seja, é uma forma de dar autonomia aos beneficiários, de não serem sujeitos a um discurso moralista e paternalizante, é afirmar a sua própria dignidade. Porque primeiro estão as pessoas.

Sobre o/a autor(a)

Mestre em Sociologia. Assessor do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu.
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