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Preparados?

A questão decisiva é qual é que será a atitude do governo grego nas negociações de junho. Se a estratégia de ganhar tempo serve para este pequeno prolongamento e para uma resposta de curto prazo à emergência social, em junho a discussão será outra.

Depois do acordo de dia 20 e das medidas apresentadas hoje pelo governo grego, já é mais fácil desenhar alguns cenários sobre o que se irá passar durante os próximos 4 meses. Poder-se-ia dizer que o próximo combate será em junho mas, se se quiser ser mais exato, o combate será um braço-de-ferro permanente, de baixa-média intensidade, durante os próximos 4 meses.

Antes de mais, o acordo. A Grécia partia para estas negociações com uma fragilidade. A única fonte de poder negocial de que o Estado grego dispunha (e dispõe), a ameaça de incumprimento e rutura, era, no contexto das negociações, pouco ou nada credível. Por duas razões:

O governo grego enfrentou estas negociações com fortíssimas restrições financeiras, económicas e políticas. Mesmo assim, a tentativa anterior por parte da Alemanha de proceder a uma pura extensão do memorando de entendimento foi recusada e acabou por sair da mesa em benefício deste acordo. O saldo é um documento críptico, ao bom estilo das instituições europeias, cheio de ambiguidades e silêncios habilidosos. Desse documento resultam vitórias e derrotas de parte a parte e alguns empates

- Em primeiro lugar, o governo grego ainda se está a instalar, a pôr ordem nos ministérios que o governo anterior sabotou cuidadosamente e a tentar domar o aparelho do Estado grego. Um processo nada fácil, sobretudo quando se dispõe de poucos quadro com experiência governativa.

- Em segundo lugar, este governo foi eleito com um claro mandato: romper com a política de austeridade, mantendo o país no euro. Uma quadratura do círculo, dizem muitos, e as instituições europeias parecem querer dar-lhes razão. Mas é esse o mandato do governo e, assim sendo, o cenário da saída só poderia ser explorado em face da evidência da inviabilidade de uma “saída por dentro”.

Perante isto, o governo enfrentou estas negociações com fortíssimas restrições financeiras, económicas e políticas. Mesmo assim, a tentativa anterior por parte da Alemanha de proceder a uma pura extensão do memorando de entendimento foi recusada e acabou por sair da mesa em benefício deste acordo. O saldo é um documento críptico, ao bom estilo das instituições europeias, cheio de ambiguidades e silêncios habilidosos. Desse documento resultam vitórias e derrotas de parte a parte e alguns empates. Os empates são as partes pura e simplesmente impercetíveis.

O governo grego fez neste processo várias concessões, nomeadamente o facto de o empréstimo ter passado a ser de 4 meses e condicionado à aprovação prévia das medidas a aplicar. Ao mesmo tempo, o Governo grego compromete-se a não reverter medidas aprovadas no âmbito do programa de ajustamento, embora haja exceções neste domínio. O acordo admite a flexibilização da meta do excedente primário, mas apenas para 2015.

Por outro lado, os gregos conseguiram desativar o acordo deixado por Samaras e pelo Eurogrupo para o corte das pensões e o aumento do IVA. O BCE irá desbloquear os lucros obtidos com a dívida grega, que ascendem a 1,9 mil milhões de euros, cerca de 1% do PIB grego. Apesar da regra de não-reversão das medidas do anterior governo, o governo grego irá reintegrar 2.100 funcionários públicos ilegalmente despedidos e proceder a um aumento faseado do salário mínimo.

As medidas apresentadas pelo governo grego (e, presume-se, previamente acordadas com quem interessa) apontam para o fim das medidas de austeridade e incluem algumas medidas com impacto na receita fiscal (na maior parte dos casos, não imediato), bem como medidas que poderão constituir um pequeno estímulo económico. A lista é dominada por medidas de baixo ou nenhum custo mas, ao mesmo tempo, o governo grego reclama para si próprio áreas de soberania no plano de salários, pensões e investimento. As instituições europeias terão, obviamente, outras ideias.

O empréstimo só será concretizado em abril. Adivinha-se até lá muita guerra de bastidores. O governo grego tentará esticar a corda das políticas de estímulo económico, a Alemanha tentará limitá-las ao máximo. Apesar disso, e ao contrário de muitos aqui e na Grécia, penso que o governo grego conseguiu condições aceitáveis para os próximos meses. Se este programa for implementado, a Grécia ganhará alguma margem de manobra orçamental e poderá até ter algum crescimento, embora sem criação relevante de emprego. E responderá diretamente ao desespero de centenas de milhares de famílias, o que só poderá aumentar a sua base de apoio político.

O governo grego terá de trabalhar em várias frentes. Por um lado, terá de empurrar ao máximo os limites deste acordo para chegar nas melhores condições possíveis (económicas, sociais e políticas) às negociações de junho. Por outro lado, terá de preparar um pacote negocial sólido, que lhe permita assegurar um apoio popular esmagador e responder a sério aos problemas da sua economia. Finalmente, terá de preparar metódica e afincadamente um cenário de saída do Euro

A questão decisiva é qual é que será a atitude do governo grego nas negociações de junho, essas sim, absolutamente decisivas. O presente acordo não fecha a porta, mas também não diz nada de concreto sobre reestruturação da dívida. Por outro lado, a flexibilização do excedente primário é apenas para 2015, o que faz adivinhar um novo confronto a esse nível para os anos seguintes. Se a estratégia de ganhar tempo serve para este pequeno prolongamento e para uma resposta de curto prazo à emergência social, em junho a discussão será outra. Tratar-se-á de saber se o novo Governo consegue impor soluções para os problemas estruturais e aí já não vai ser só uma questão de tempo.

Ou seja, a próxima vai ser pior. O que significa que o governo terá de trabalhar em várias frentes. Por um lado, terá de empurrar ao máximo os limites deste acordo para chegar nas melhores condições possíveis (económicas, sociais e políticas) às negociações de junho. Por outro lado, terá de preparar um pacote negocial sólido para apresentar nesse contexto, que lhe permita assegurar um apoio popular esmagador e responder a sério aos problemas da sua economia. Finalmente, terá de preparar metódica e afincadamente um cenário de saída do Euro.

Este último elemento é decisivo. A questão da saída do Euro não é um debate sobre possibilidades longínquas. Podia ter acontecido agora, pode acontecer em junho, pode até acontecer entretanto, se as interferências das instituições europeias se mantiverem e agravarem. Num cenário de radicalização dessas negociações, um governo grego que não esteja preparado para incumprir e sair no dia seguinte é um governo desarmado. E se há alguma coisa que as atuais instituições europeias e a Alemanha já demonstraram é a sua espetacular insensatez. A Grécia precisa de um Governo que "esteja à altura do que lhe acontecer". O que quer que isso seja.

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado e economista.
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