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Pensões: guia para perceber o que se passou e o que não se pode passar

As pensões vão ter o maior aumento da última década no orçamento de Estado de 2017. Não subir as mínimas das mínimas, sociais e rurais é mais do que injusto.

Não nos enganemos: foi a pressão à esquerda que obrigou o governo do PS a fazer este aumento que ultrapassa em muito o que está previsto na lei e que em apenas um ano representa mais do que todas as atualizações que o governo do PSD/CDS fizeram ao longo de quatro anos. A diferença é dramática: nos anos da Direita apenas 24% dos pensionistas foram aumentados; esta maioria vai aumentar 80% dos pensionistas.

É preciso então percebermos o que se passou nas pensões e porque é que primeiro-ministro e ministro da segurança social andam a falar do orçamento de Estado de 2018 quando estamos a discutir o orçamento de 2017.

Que pensões vão ser aumentadas?

As pensões vão ser aumentadas em dois momentos diferentes. Em janeiro vai aplicar-se a fórmula legal de atualização das pensões que está prevista na Lei 53-B/2006 (que o governo do PSD/CDS congelou, tal como antes tinha feito o governo Sócrates). Isso quer dizer que as pensões até aos €844,70 vão ser aumentadas ao nível da inflação.

Isso quer dizer que a pensão social mensal sobe €1,70 e as pensões mínimas mensais sobem entre os €1,84 e os €2,66. É uma subida importante porque significa que em 2017 as pensões abaixo dos €844,70 não perdem valor, ao contrário do que aconteceu nos últimos anos.

As pensões entre os €844,70 e os €2534,10 também vão ser atualizadas a 0,2%, o que significa que no limite inferior têm um aumento de €5,07. As restantes pensões, que representam menos de 2% dos pensionistas, não serão aumentadas porque a lei actual impõe este limite.

Este primeiro aumento vai chegar a 80% dos pensionistas.

E é um aumento que muda radicalmente e estruturalmente o modo como daqui para a frente as pensões são atualizadas em cada ano porque o limiar de atualização cresce. Até agora apenas as pensões até aos €633,53 eram atualizadas de acordo com a inflação, mas a partir de agora todas as pensões até aos €844,70 serão atualizadas automaticamente, o que é uma boa notícia para mais 200 mil pessoas.

Depois, em agosto, haverá um segundo aumento que fará com que o aumento total das pensões até aos €633,53 e que não foram atualizadas nos anos do governo PSD/CDS sejam aumentadas até €10.

É um salto de gigante. É o maior aumento de pensões da década e parte da relação de forças da maioria que suporta o governo.

O governo tem dito, e bem, que este aumento procura repor a justiça nas pessoas que viram o seu rendimento reduzir nos anos da troika. Mas o governo decidiu deixar algumas pensões para trás.

As pensões rurais, sociais e as mínimas das mínimas (de pessoas que descontaram menos de 15 anos) não serão aumentadas e apenas atualizadas ao nível da inflação por decisão do governo. Vieira da Silva, ministro da Segurança Social, justifica não fazer o aumento extraordinário a estas medidas porque foram atualizadas durante o período da troika, mas a pergunta é: não terão também perdido rendimento?

Porque é injusto não aumentar as sociais e as mínimas das mínimas

Desde a primeira hora o Bloco foi claro sobre esta matéria: é injusto deixar para trás os pensionistas das pensões sociais, rurais e as mínimas das mínimas. São quase 600 mil pessoas que também sofreram com a austeridade e deviam ter um aumento extraordinário por dois motivos.

Primeiro porque os pensionistas das pensões sociais, rurais e das mínimas das mínimas pagaram do seu próprio bolso a atualização das suas pensões. Não ganharam nada. Como é sabido, PSD e CDS simplesmente mudaram os fatores, mas garantiram que o resultado era o mesmo, porque se atualizaram estas pensões reduziram no mesmo valor o que gastavam com o Complemento Solidário para Idosos (CSI).

Tendo em conta que estas são as pensões mais baixas e, logo, as que têm uma maior probabilidade de receber o CSI, podemos dizer que foram estes pensionistas a custear a atualização das suas pensões.

Segundo porque estes pensionistas viram nos anos do governo da Direita subir a fatura da água, da luz, dos transportes públicos, da saúde, entre outras despesas obrigatórias. E, para além do CSI, viram cortados outros apoios sociais como o Rendimento Social de Inserção, que em 2011 apoiava mais de 4000 idosos pobres e que em 2015 já não chegava a mais de 2500 idosos.

Acresce que estender o aumento de 10€ às pensões que ficaram de fora custaria apenas mais 24 milhões de euros, menos de 0,1% do gasto total em pensões.

Por tudo isto, todas as pensões abaixo dos €633,53 deveriam ser aumentadas.

E se o governo queria repor a justiça relativa entre pensões não contributivas ou fracamente contributivas e as mais contributivas das mínimas devia propor um aumento extraordinário para ambas, se bem que mais generoso para as últimas. Isto seria justiça na segurança social.

Porque é que o governo está obcecado com condição de recursos para as pensões mínimas

Finalmente, e surpreendentemente, António Costa, Vieira da Silva e Pedro Nuno Santos vieram a público fazer declarações sobre a necessidade de introduzir uma condição de recursos nas pensões mínimas, confundindo às vezes as mínimas com as sociais, ou as contributivas com as não contributivas.

É nossa função esclarecer: as pensões sociais ou não contributivas já têm condição de recursos. Ou seja, só recebe pensão social quem nunca descontou e tem rendimentos abaixo de 167,69€ por mês.

E as pensões mínimas são todas contributivas, ou seja, as pessoas recebem uma pensão porque descontaram para ter uma pensão, tal como as pessoas que não receberam pensões mínimas.

Como já escrevi antes, neste debate entre pensões e pobreza o primeiro-ministro faz o debate ao contrário (ver artigo aqui).

Em primeiro lugar, o sistema de pensões não tem que ver com o que uma pessoa tem, mas sim com o que uma pessoa trabalhou e, consequentemente, descontou. Não se pergunta a ninguém com uma pensão contributiva de €600 se é pobre para ter direito a receber a pensão, tal como não se pode perguntar a ninguém que receba uma pensão mínima contributiva de €263 se é ou não é pobre.

Muito embora sejam poderosíssimos mecanismos de redistribuição e de combate à pobreza, as pensões são um seguro para proteger todas as pessoas do risco de velhice e, logo, do risco de não podermos trabalhar e nunca do risco de pobreza. Para tratar da pobreza há outros mecanismos com o CSI ou o RSI.

Para além disso, no desenho do sistema de Segurança Social as pensões mínimas faziam subir a pensão resultante do cálculo para o valor do patamar das mínimas assumindo que muito embora as pessoas tenham trabalhado o sistema não tinha durante a ditadura conseguido cobrar essas contribuições (porque o sistema não estava montado ou porque os patrões não entregavam os descontos). Este desenho demonstrava uma enorme solidariedade e visão sobre o que havia sido a vida daquelas gerações.

Mas a verdade é que o problema hoje se mantém, e se hoje a máquina de cobrança contributiva é muito mais eficaz, nem sempre foi assim e quer por via de desvios das contribuições, quer por via de existirem carreiras contributivas intermitentes por períodos de desemprego criado pelas crises e pela precariedade constante, as pensões mínimas continuam a ser muito importantes para o sistema. Aliás, este é o ponto de contacto mais patente entre as lutas dos trabalhadores precários e dos reformados.

A questão é outra, é o dinheiro. O debate que o PS quer levantar sobre as pensões mínimas não tem nada que ver com o debate sobre pobreza, tem antes que ver sobre finanças públicas e isso é patente no cenário macroeconómico que Mário Centeno, hoje ministro das finanças, apresentou em 2015 para o PS e que previa um corte de 1600 milhões de euros com o congelamento das pensões, que o Bloco conseguiu evitar durante as negociações para a maioria que suporta o governo, e de um corte adicional de 1020 milhões de euros por via da introdução de nova condição de recursos para algumas pensões.

Sejamos claros, o complemento de solidariedade que faz crescer as pensões mínimas para os patamares que conhecemos provém do subsistema de solidariedade e é pago pelo orçamento de Estado, custando anualmente mais de mil milhões de euros. É aqui que o governo se propõe cortar.

Surpreende também o facto do primeiro-ministro e do ministro da segurança social virem advogar este corte num momento em que se faz o maior aumento de pensões de que temos memória.

Este caminho é errado e seria voltar ao caminho do PSD e do CDS de dar com uma mão e tirar com a outra.

Para além disso, é uma proposta que nunca terá acolhimento na atual maioria e que só poderia ser rejeitada pelo Bloco de Esquerda.

O caminho, aliás, é outro. É necessário continuar a valorização das pensões para podermos apostar numa economia que cresce e é justa.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro e mestre em políticas públicas. Dirigente do Bloco.
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