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Os média, o Bloco e a prova de fogo

Embora seja praticamente consensual que este momento de reflexão deva assumir palcos públicos, a exposição e consequente risco a que a organização fica sujeita é significativo.

Embora não alimente grandes sonhos sobre a total independência da comunicação social, também estou longe de considerar que esta se mova de forma conspiratória, a mando de alguém que lhe ordena que abata fulano e exalte sicrano. Os fenómenos da comunicação de massas, do imediatismo, da agenda setting, da sociedade em rede e da própria concorrência comercial (para citar apenas alguns exemplos) explicam muito melhor o comportamento dos média actuais do que qualquer movimento persecutório organizado que se desenvolve nas costas dos cidadãos. E embora a questão da propriedade dos meios de comunicação social não deva ser descurada, está longe de poder ser demonstrado em grande parte dos casos a sua influência directa na geração de grandes movimentos persecutórios. Claro que as dinâmicas actuais na esfera da comunicação proporcionam não só fenómenos de ascensões meteóricas, como também crucificações sumárias. O sucesso atrai os media, assim como o sangue e a desgraça. Tal corresponde à velha questão sobre o que é e o que faz notícia.

O tratamento da actualidade política não escapa evidentemente às dinâmicas acima referidas. Embora a figura dos comentadores crie uma grande intermediação e filtragem das notícias e da mensagem junto da opinião pública, os comportamentos dos media não apresentam grandes particularidades entre o tratamento da agenda política e o tratamento da restante agenda que constitui a actualidade. Lógicas semelhantes presidem à definição do que é e do que não é notícia. Neste contexto, melhor do que uma ascensão meteórica ou um descalabro absoluto de um qualquer actor político, é uma história que consiga ter as duas componentes. No fundo, um misto de conto de fadas e tragédia grega. Chega a ser um cenário tão apreciado do ponto de vista mediático, que acaba por ser procurado e proporcionado por alguns profissionais do sector.

Julgo que é neste contexto que deve ser olhada a intensa cobertura de que está a ser alvo o Bloco de Esquerda. A noção de que o cenário que circundou as últimas eleições não lhe era favorável, a efectiva grande perda eleitoral sofrida e o debate e algumas tensões internas que surgiram entretanto estão a ser avidamente acompanhadas pela comunicação social. E outra coisa não seria de esperar. Sendo a implantação e consecutivo crescimento do Bloco um caso de sucesso ímpar no panorama partidário português e até um caso de estudo a nível europeu, qualquer sinal de fragilidade é massivamente acompanhado pela comunicação social e ansiosamente comentado pelos seus concorrentes e adversários políticos. Dinâmicas normais das sociedades democráticas, importa sublinhar.

Mas todo este acompanhamento mediático constitui-se evidentemente como uma prova de fogo. Embora seja praticamente consensual que este momento de reflexão deva assumir palcos públicos, permitindo que simpatizantes e interessados acompanhem e até participem no debate, a exposição e consequente risco a que a organização fica sujeita é significativo. Sobretudo num partido como o Bloco, em que a base militante é limitada e a permeabilidade a conjunturas externas é grande. É sabido que cada brecha será explorada, que cada ataque menos sereno será difundido e dissecado pela comunicação social. Cada passo seu é acompanhado com particular atenção em busca do que pode fazer notícia.

Trata-se portanto de um momento em que o Bloco se encontra na mira dos holofotes. Este processo transforma-se assim num verdadeiro teste à serenidade com que se processará a reflexão interna em curso. E revela-se também um tira teimas sobre a maturidade, capacidade crítica e coesão de uma organização com ainda tão poucos anos de existência. O Bloco tem um importante desafio pela frente, eis a mais consensual das conclusões. Terá de o superar com a lucidez com que nos habituou.

Sobre o/a autor(a)

Politólogo, autor do blogue Ativismo de Sofá
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