Oferecer o Novo Banco é um erro

porFrancisco Louçã

02 de abril 2017 - 20:58
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O Novo Banco, o antigo BES, foi oferecido à Lone Star, um fundo imobiliário norte-americano, num negócio que é a todos os títulos histórico.

É histórico por consumir o principal banco privado português. O BES foi “o banco de todos os regimes”, lembrava o seu presidente: 140 anos a navegar entre a Monarquia, a República, Salazar, a Revolução e o nosso tempo. Foi o banco que indicava e depois acolhia os ministros, como o fez magnanimamente com Durão Barroso. Foi poderoso e, quando faliu (a resolução foi no verão de 2014) declarava mais de 70 mil milhões em depósitos. Era – e é – uma peça essencial do sistema bancário nacional. Acabou: agora é de promotores imobiliários cuja preocupação na negociação, além de garantirem os seus dinheiros contra todos os riscos, era ficarem com as propriedades nas Amoreiras e no Marquês de Pombal.

A oferta do Novo Banco é ainda histórica por ser o epílogo de um processo desastrado e sempre incompetente. A resolução, que é o nome para uma falência protegida por uma nacionalização, custou 4900 milhões em 2014 e mais 2000 milhões em 2015. Os accionistas perderam tudo, alguns credores perderam muito, o Estado pagou o resto e anuncia que cobrará aos outros bancos (um procedimento que significa pagar o justo pelo pecador, mas os bancos têm ficado calados, certamente confortados por pagarem em 30 anos o que lhes tinha sido imposto em dois anos e a juros desvanecentes). Todos perdemos. Nenhum banco europeu de dimensão média tinha passado por esta forma de actuação e nunca mais houve outro exemplo. Não podia ter sido pior.

Finalmente, a entrega do banco é histórica por mostrar como se comportam os dirigentes políticos que puderam tomar decisões. Sérgio Monteiro, o braço direito de Maria Luís Albuquerque e contratado pelo Banco de Portugal no cair do pano do governo das direitas, apalavrou o beneficiário e, generosamente pago, desapareceu pela porta baixa. Mal saiu a sombra de Monteiro, a fronda PSD-CDS passou logo a criticar o negócio imposto pelos governantes do PSD-CDS. Já sabíamos, ter o PSD e o CDS a tratar de assuntos bancários é um susto, foi assim no BPN, o banco dos favores do cavaquismo, foi assim com a crise do BES.

Mas a decisão final tem a chancela do governo Costa, que preferiu não contrariar a Comissão Europeia no seu plano de fazer absorver a banca portuguesa pela finança internacional. Quando chegar ao fim do seu mandato, o governo terá por isso a duvidosa medalha de ter permitido que se chegasse a dois terços da banca em mãos estrangeiras, um caso único na Europa. O Estado fez tudo mal, uma resolução do banco sem contas feitas e agora aceitar o controlo externo do seu sistema bancário, o que nenhum país que se respeite jamais permitiria.

As consequências são gigantes: o Estado não poderá agir no sistema bancário sem se arriscar a um tribunal em Londres ou no Luxemburgo e passará a ter meios reduzidos para colocar as emissões de dívida pública, o que tem devastadoras consequências estratégicas. Ficamos na mão de flibusteiros.

A única decisão racional, a nacionalização, ficou fora da mesa por motivos ideológicos e nada mais. Nenhuma trapalhada de justificação de contas oculta isto: o custo da nacionalização era menor, porque pagar a recapitalização e obter os resultados ao longo do tempo é absolutamente melhor do que vender a zero e perder depois tudo o mais. Noves fora zero, o governo optou pelo pior comprador que se poderia imaginar e por um mau negócio que não pode justificar. E já se sabe o que vem a seguir: a Lone Star vai espremer o Novo Banco, vai jogar no imobiliário, vai usar as garantias indirectas do Estado através do Fundo de Resolução – para que lhe corra bem, precisa de registar prejuízos, imparidades e outros desvios. Vai ser um fartote.

Portugal ficou esta 6ªf um pouco menor.

Artigo publicado em blogues.publico.pt a 31 de março de 2017

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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