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O que é o CETA e o que é que se está a passar enquanto dormimos?

A grande maioria dos cidadãos europeus não sabe o que é o CETA. No entanto, ele foi aprovado esta semana pela maioria dos deputados do Parlamento Europeu e terá impactos significativos na sua vida.

CETA: este nome diz-lhe alguma coisa? Se lhe disser que é a sigla inglesa para Acordo Económico e Comercial Global entre a UE e o Canadá, ajuda? Percebe o significado mas pouco ou nada ouviu falar desse acordo e desconhece o conteúdo ou as suas consequências? Não se preocupe, isso não significa que é uma pessoa desatenta ou desinformada. A grande maioria dos cidadãos europeus não sabe o que é o CETA. No entanto, e apesar disso, o CETA foi aprovado esta semana pela maioria dos deputados do Parlamento Europeu. Se pensa que não lhe diz respeito está muito enganado. O CETA terá impactos significativos na sua vida, nos seus direitos sociais e laborais, no meio-ambiente e na qualidade e segurança dos alimentos que irá ingerir. A Comissão Europeia negociou este acordo com as autoridades canadianas durante 8 anos. Sim, leu bem, 8 anos. Como é que chegamos ao final de tão longo processo sem que as pessoas saibam? Porque estas negociações decorreram em segredo, longe do escrutínio dos representantes dos cidadãos, mais longe ainda dos cidadãos, mas muito muito perto das multinacionais. 95% das reuniões da Comissão Europeia relativas a este acordo foram com multinacionais. Agora imagine quais são os interesses que este acordo defende acima de tudo, inclusive acima da democracia? Os das multinacionais. Mas os impactos, esses serão sobre todos nós.

Dizem-nos que este acordo pretende facilitar o comércio entre a UE e o Canadá, harmonizando uma série de padrões de qualidade e segurança e de impacto ambiental, para que os produtos possam ser colocados nos mercados sem terem que passar por uma revisão desses mesmos padrões de acordo com as normas do país ou região que os importa. Prometem-nos a inevitabilidade do aumento das exportações, o crescimento da economia, o aumento do emprego, em suma, a felicidade para todos. Mas (quando nos prometem tanto há sempre um ‘mas’ nas entrelinhas), como é que é feita essa harmonização de padrões? É pelo mais elevado? Pelo que garante mais segurança, qualidade, menos impacto ambiental? Não. Quem tem os patamares mais baixos sobe-os, eventualmente, nalgumas matérias e quem tem os patamares mais elevados desce-os.

Pois assim é. Quando não podem ganhar todos, e esta é uma questão de simples verificação matemática, alguém tem de perder. Para uns exportarem mais, tem de haver quem compre. A ideia base do acordo é que ambas as partes - Canadá e União Europeia - consigam colocar produtos no mercado a preço competitivo e, assim, aumentar as exportações. O preço competitivo está, obviamente, relacionado não apenas com a forma como se produz mas também com quanto se paga a quem produz.

Um acordo desta natureza é, por isso, uma corrida para o fundo. Olhemos, por exemplo, para a produção de carne. No Canadá recorre-se de forma abusiva às hormonas e à produção intensiva, o que permite ter custos de produção abaixo dos existentes em muitos dos países europeus, ao que acresce um elevado custo para a saúde. Como podemos competir? Introduzindo o recurso às hormonas? Baixando ainda mais o preço do trabalho ou aumentado a precariedade? Nenhuma destas soluções é um ganho, perdemos duplamente. E na agricultura como poderemos competir com as produções dominadas pelos organismos geneticamente modificados? Estas são apenas algumas das perguntas. Poderíamos estendê-las a muitas outras áreas. Abrindo o mercado dos serviços, poderá uma empresa canadiana ganhar um concurso para distribuir leite escolar numa escola em Portugal? Como é que mantemos os postos de trabalho nesta corrida desenfreada? E que postos de trabalho. Se pensarmos no ambiente, não muda de cenário. Os termos do acordo de Paris não são levados em linha de conta, as fontes energéticas recuam anos a fio. Podemos ‘competir’ com um modelo de desenvolvimento sustentável que proteja as gerações futuras quando abrimos a porta à extração de gás de xisto ou à centralidade dos combustíveis fósseis em vez das energias renováveis?

Se isto não fosse suficiente, este acordo prevê a criação de tribunais arbitrais para resolver litígios possíveis entre multinacionais e governos. Estes tribunais prevalecem sobre tribunais judiciais, sobre o direito comunitário e sobre as diferentes bases jurídicas nacionais. É um sistema de justiça paralelo onde prevalece a lei do mais forte. Se um ‘investidor’ não tiver os lucros esperados poder recorrer a estes tribunais. Quem perde aqui é a própria democracia.

Apesar de tudo isto, este acordo foi aprovado esta semana no Parlamento Europeu.

Mais de 3,5 milhões de cidadãos mobilizaram-se contra a sua aprovação, 2137 regiões declararam-se zonas livres. Sabemos que estes cidadãos continuarão a resistir. Falta um ano para a total implementação do acordo. Pelo caminho 38 parlamentos nacionais e regionais terão de pronunciar-se. O voto no Parlamento Europeu não é o fim. É uma parte do processo.

Agora que já sabe o que é o CETA, pode decidir ignorar ou conformar-se, ou mobilizar-se para que prevalece a voz que não foi ouvida em todo o processo, a das pessoas. Se tiver dúvidas, procure informar-se. É das nossas vidas que estamos a falar.

Artigo publicado em Beiras News a 19 de fevereiro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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