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Nas tintas

De um lado, os duros alemães e os algo tontos franceses e, do outro, os irresponsáveis e endividados da Europa do Sul. Então e o resto da Europa, qual o seu papel nesta novela?

Em momentos difíceis como os actuais, existirá sempre alguma tendência para simplificar aquilo que à partida até pode ser um pouco complexo. Para tomar o todo pela parte, para colorir ou sublinhar aquilo que, sendo relevante, até pode não ser o essencial. E é normal que se proceda a esta simplificação como forma de tornar mais facilmente entendível o panorama em curso. Claro que cada lado desenhará o panorama a seu gosto, nomeadamente na identificação dos bons e dos maus da história, das vítimas e dos culpados. Mas não se trata necessariamente de um fenómeno de manipulação ou deturpação da realidade, mas sim de uma tendência natural de simplificação, com os seus aspectos positivos e as suas vicissitudes.

No caso da presente crise europeia, entre os diversos fenómenos como os acima descritos, não deixa de ser interessante verificar que o destaque assumido por Merkel e Sarkozi e a forma como têm mantido as rédeas curtas dos PIGS consegue por momentos reduzir a Europa a meia dúzia de Estados-membros. De um lado, os duros alemães e os algo tontos franceses e, do outro, os irresponsáveis e endividados da Europa do Sul. Então e o resto da Europa, qual o seu papel nesta novela?

Onde anda o Reino Unido, a Bélgica, a Holanda, ou a Áustria? E os escandinavos, qual o seu posicionamento? E os pequenos países como o Luxemburgo, o Chipre ou Malta? E os bálticos, o que pensam eles sobre o que se está a passar? E os diversos Estados-membros da Europa Central e de Leste, como a Polónia, a Hungria, a República Checa, a Eslovénia, a Eslováquia, a Roménia, a Bulgária? O que pensam sobre a crise do euro, como se posicionam sobre as decisões em curso?

Como assertivamente referiu Clara Ferreira Alves no último Eixo do Mal, a verdade é que se estão mais ou menos nas tintas para o que se está a passar na Europa do Sul. Aliás, manifestam preocupação, mas apenas numa perspectiva de não serem eles as próximas vítimas da desgraça que agora atingiu os vizinhos. Qual solidariedade, qual quê. É o salve-se quem o puder, é o cada um por si. E só muito estranhamento tal comportamento pouco fraterno nos poderia causar alguma confusão. Basta pensarmos por exemplo no comportamento que Portugal tem tido com os Gregos. A única preocupação tem sido distanciarmo-nos ao máximo e quando muito até ajudar no linchamento de que são alvo, esperando assim que os outros não olhem para nós.

E assim anda a União Europeia. Importa relembrar que as uniões não se vêem nos bons momentos, mas sim nos maus. E esta tão evidente ausência de solidariedade dos Estados-membros, esta incapacidade de pensar, sentir e agir como um todo com um mínimo de coesão é apenas mais um sinal que a Europa precisa de ser urgentemente repensada, reformada e até refundada. De outro modo, o nacional-“tintaismo” continuará a ganhar terreno.

Sobre o/a autor(a)

Politólogo, autor do blogue Ativismo de Sofá
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