Indignação

porMaria Luísa Cabral

17 de janeiro 2023 - 18:28
PARTILHAR

Em pleno período de greve, a manifestação dos professores em defesa da escola pública foi grandiosa. Há quem diga que nada justifica a greve, será?

A greve é um direito constitucional, levar à prática esse direito exige muita ponderação. Estar contra a greve parece contranatura. Enquanto circulava a convocatória para a rua, enquanto os autocarros se dirigiam para a capital, o Público (14 Janeiro) difundia que “[os professores] projectam a imagem de uma classe que não olha a meios, nem a custos sociais para chegar aos seus fins”. Qual o objectivo desta declaração? Colocando o êxito da greve nas mãos da sociedade civil, os dados estão lançados: a sociedade civil, isto é, o conjunto de todos os outros trabalhadores, vai ter de pensar com mais visão, naquilo que a escola representa no presente e para o futuro e, como está a acontecer no Brasil, só há dois campos: a escolha determinará ou um futuro esperançoso e confiante forte aliado da democracia ou um outro triste e acabrunhado que passa ao lado da democracia.

Convocar uma greve dos professores às aulas por período ilimitado é coisa muito séria e os professores são os primeiros a calcular com precisão os eventuais estragos. Meio copo, claro, que é da outra metade? A outra metade, essa transbordará com um trabalho mais motivado, uma comunicação mais profunda com os alunos, um futuro profissional que respeite a formação académica e o tempo dedicado à escola ao longo da vida em condições socio-económicas inadmissíveis as mais das vezes. O que os professores não têm conseguido ao longo dos anos desemboca na sala de aula, produz maus alunos e maus cidadãos.

Os professores, como todos os outros trabalhadores, têm direito a um contrato de trabalho e têm direito a negociá-lo num espaço de tempo razoável. Os outros trabalhadores, todos sociedade civil, sabem isso muito bem, serão raros os que se gabarão de ter contrato negociado. Logo, a sociedade civil quando se trata de professores não pode pedir “sol na eira e chuva no nabal”, esquecendo deliberadamente os direitos laborais dos seus concidadãos. Chama-se a isto solidariedade que, por acaso, também se aprende na escola.

Entre os outros trabalhadores, muitos são pais, têm os filhos na escola, perdem a cabeça porque não sabem o que fazer às crianças e adolescentes quando a escola fecha, não vislumbram mais nada. Empurram-nos para os avós quando estes existem e estão disponíveis. Os avós, reformados e pensionistas, gemem porque não é fácil, assim de supetão, tomar conta de crianças e adolescentes. Refilam as crianças e adolescentes porque ir para os avós em vez da escola é mesmo uma seca.

A escola está fechada, que contrariedade dirão os encarregados de educação. Afinal, para eles qual é o papel da escola?! A escola não serve simplesmente para largar as crianças. Talvez se vá fazendo tempo para as famílias perceberem que a escola é o cadinho de um futuro mais informado, mais exigente, mais cívico e democrático. Se os professores abdicarem dos seus direitos cívicos, se se deixarem esmagar, que exemplo é que estão a passar? Bem se poderão envergonhar cada vez que entrarem numa sala de aula.

Se os pais e famílias equacionarem bem o problema, se pesarem os dois pratos da balança, talvez possam abraçar a única alternativa válida e que é descer à rua. Juntar as suas vozes às dos professores, fazer seu aquele cartaz que eu ontem vi Manuel, o Pai está a lutar pela tua educação. Vinham de Braga, Paredes, Fundão, Guimarães, Moura, Lisboa, Porto, Albufeira, Olhão, Arraiolos, sei lá, perdi a conta! Era Portugal, uma multidão enorme.

Urge a negociação não arrastada, questões velhas sem fim com um ministro negacionista, cego para as evidências, a iludir a discussão com os sindicatos. Um comportamento tão bolorento que a sociedade civil terá de vir a jogo apoiar os professores na exigência de uma escola pública de qualidade.

Maria Luísa Cabral
Sobre o/a autor(a)

Maria Luísa Cabral

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
Termos relacionados: