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A Euforia Liberal

Não é de admirar que, num curto ápice, a direita política esteja a conseguir fazer passar uma série de medidas que há muitos anos ambiciona.

São mais do que sabidas as peculiaridades dos estados de graça na acção governativa. Tipicamente após a sua eleição, os governos beneficiam deste período de tréguas que lhes permite olear a máquina e ganhar fôlego para o mandato que então se inicia. Assiste-se a uma espécie de tríade misecordiosa perante a acção governativa. Em primeiro lugar, um eleitorado que se mantém na expectativa e que procura então alguma acalmia e estabilidade após o rebuliço eleitoral recente. Por outro lado, e intimamente ligada a esta questão, temos grande parte da oposição obrigada pelo eleitorado a dar algum espaço ao novo Executivo. Como último vértice da mencionada tríade, temos uma comunicação social e respectivos painéis de comentadores com uma acutilância notoriamente suavizada. O fair playdemocrático assim o exige.

Como é evidente, as forças políticas no poder não deixam de tirar todo o partido deste período. Quer dando-se ao luxo de alguns experimentalismos nesta fase inicial, quer levando à letra a velha máxima de “fazer o mal depressa e [eventualmente] o bem devagar”. Apesar dos já significativos erros estratégicos e de comunicação, o actual governo está a aproveitar intensamente o presente estado de graça. E como se tal não constituísse em si uma oportunidade já formidável, os compromissos assumidos com a troika são o alibi perfeito para todo o tipo de medidas menos populares, a maioria legitimidadas com duvidosos nexos de causalidade. “É aproveitar sem pensar duas vezes”, pensarão muitos dos apologistas das reformas em curso.

Para completar este ciclo, amedrontada com todo o panorama vigente, a opinião pública está fortemente convencida desta necessidade de sacrifícios redentores. O discurso do andamos a viver acima das nossas possibilidades tornou-se de tal forma hegemónico que argumentar fora dele passou a ser algo digno de excêntricos sonhadores que não vivem certamente neste mundo.

Não é pois de admirar que, num curto ápice, a direita política esteja a conseguir fazer passar uma série de medidas que há muitos anos ambiciona. Da reforma profunda das leis laborais às privatizações e ao fim das golden shares, da diminuição da carga fiscal sobre as empresas à contracção brutal na Administração Pública e à forte abertura da prestação de serviços públicos pelos privados. O surto liberal aí está, procurando espremer ainda mais o que resta do Estado-providência. Nem os próprios liberais parecem estar a acreditar na enorme passadeira vermelha que à sua frente subitamente se estendeu. Conter esta euforia não será fácil. Importa, por isso, ter presente o velho lema de transformar desafios em oportunidades.

Sobre o/a autor(a)

Politólogo, autor do blogue Ativismo de Sofá
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