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Emancipação não rima com exploração

Em Portugal, há empresas que só aceitam trabalhadoras que assinem um compromisso de não engravidar nos primeiros 5/10 anos de trabalho.

Na passada sexta-feira, no programa de reportagem da RTP Sexta às 9, a realidade da relação entre maternidade e exploração laboral foi retratada e há luz vieram denúncias graves e preocupações importantes. Contudo, embora seja muito positiva a escolha da visibilidade deste problema, a sua análise centrou-se no valor da natalidade. Ou seja, tanto os patrões como o Sexta às 9 encaram as mulheres como meras re-produtoras e como seres cuja opção da maternidade deve dizer sempre algo primeiro ao país ou à empresa, ou ainda à espécie, do a que a si mesmas.

Desde há muito que as mulheres trabalhadoras vivem com esta contradição: por um lado, é-lhes exigido que cumpram o seu papel social e assegurem a taxa de natalidade, por outro, o mundo do trabalho regido pela competição e pela chantagem do desemprego dá-lhes o sinal contrário, como que obrigando-as a escolher entre uma vida profissional plena e a maternidade.

Porém, no contexto de crise, este problema que não é novo encontra uma oportunidade para agudizar-se, intensificando-se a exploração e a pressão sobre as mulheres que querem engravidar: em Portugal, há empresas que só aceitam trabalhadoras que assinem um compromisso de não engravidar nos primeiros 5/10 anos de trabalho; é comum as mulheres serem despedidas depois de terem engravidado; outras mentem sobre a sua condição de mãe para garantir o emprego; outras não veem os seus contratos renovados quando regressam da licença de parto ou então são despromovidas; as mulheres grávidas relatam casos de bulling profissional, pois sofrem pressões e são advertidas com ameaças por causa do cansaço que possam demonstrar ou por causa das idas à casa de banho mais frequentes; há até trabalhadoras grávidas a quem foi recusado o direito de lanchar; muitas trabalhadoras grávidas abdicam dos seus direitos (como faltar ao trabalho para ir a consultas médicas ou recusar turnos noturnos) com medo de retaliações e do desemprego.

A conclusão é simples: mulheres trabalhadoras grávidas, em período de amamentação ou com filhos pequenos são o elo mais fraco.

A CITE-Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego tem recebido, de modo crescente, muitos pedidos de informações e esclarecimentos de dúvidas, mas o número de queixas tem vindo a diminuir. Esta situação deve-se ao contexto de crise e desemprego generalizado, explicou Sandra Ribeiro, Presidente da CITE, acrescentando os casos de despedimentos de trabalhadoras grávidas aumentou e que são muitas as mulheres que vivem “acossadas” e não reivindicam os seus direitos com medo de perder os seus trabalhos. Mas a lei é clara: sempre que uma empresa quer despedir uma mulher durante a gravidez ou no período de licença de maternidade, tem de pedir um parecer prévio à CITE. Desde 2010, o número de pareceres mais do que duplicou (336) e quase metade diz respeito a situações de despedimento (152). Segundo Sandra Ribeiro, “as mulheres estão numa situação de desvantagem” pois são elas que maioritariamente ficam em casa para tratar de filhos doentes, por exemplo, e por isso as trabalhadoras com filhos pequenos são consideradas menos competentes.

A reportagem da RTP refere ainda a questão do aborto, citando o mais recente relatório sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez em Portugal, no qual se relata uma diminuição do número de IVG’s realizadas, embora registe que há mais mulheres desempregadas a abortar, o que indica que a precariedade laboral é hoje um fator determinante na decisão sobre uma IVG.

Algumas das denúncias reportadas pela peça da RTP têm origem nas declarações de Joaquim Azevedo, nomeado pelo Governo de Passo Coelho como Coordenador do Plano para a Natalidade. Contudo, este senhor denuncia que as “empresas não são amigas da natalidade”, para concluir que “a preocupação com as crianças deveria ser uma prioridade para qualquer Governo” pois precisamos de “um país amigo das crianças”. Estas preocupações parecem-me com sentido, no entanto, pergunto: e as mulheres? Não há nada a dizer sobre a sua cidadania, os seus direitos como trabalhadoras ou sobre a condição da maternidade como escolha livre de imposições ou punições?

Quando se consideram as dificuldades que as mulheres trabalhadoras grávidas ou mães enfrentam no campo laboral apenas na sua relação com o problema da baixa taxa de natalidade, o resultado é a invisibilidade das mulheres enquanto seres autónomos e singulares que se definem para lá da sua condição de trabalhadora ou de mãe e também do sexismo que ainda regula o mercado de trabalho e as políticas públicas.

As mulheres não são meras máquinas re-produtoras que se devem adequar às necessidades dos mercados e do capital, ou às necessidades do país em termos de natalidade. A maternidade tem de ser uma escolha individual e livre de condicionantes sociais e laborais. Bem sabemos, emancipação não rima com exploração: não queremos a maternidade sem direitos, nem a maternidade à força.

Sobre o/a autor(a)

Investigadora e doutoranda em Filosofia Política (CFUL), ativista, feminista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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