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E o Japão não foi, afinal, uma lição

Na altura em que este acidente nos deveria servir de lição, as instituições e os governos europeus parecem querer esquecer que o que se passou no Japão pode passar-se aqui.

180 homens, em turnos de 50 de cada vez, vão entrando e saindo da central nuclear de Fukushima, voluntariamente. É neles que reside a responsabilidade de fazer a avaliação a cada momento da gravidade e da dimensão da catástrofe resultante do rebentamento de quatro reactores nucleares no Japão, após o terramoto que assolou o país. Chamam-lhes heróis, e são-no. São cobaias de uma tragédia. Arriscam-se a testar com os seus próprios corpos os riscos que podem decorrer deste tipo de acidente. E é bom que não nos esqueçamos disso: é de um acidente industrial que estamos a falar, não de uma catástrofe natural. Mas na altura em que este acidente nos deveria servir de lição, as instituições e os governos europeus parecem querer esquecer que o que se passou no Japão pode passar-se aqui. Se as centrais nucleares têm nacionalidade, a radioactividade e os seus impactos não conhecem fronteiras.

A Europa é a região do mundo que mais depende da energia nuclear. Seria, por isso, de esperar que após Chernobyl fossem tiradas ilações, mas foi apenas um "susto": 'era lá num país do leste com tecnologia velhinha'. Agora não é esse o caso: é um país moderno, avançado, que parece não rimar com "tecnologia velha". Um país tão moderno e avançado como os países que dominam o sector nuclear na Europa: Alemanha e França à cabeça. E quais foram as lições destes países? Na França apressaram-se a garantir que todas a centrais eram seguras, não fosse este "incidente" contaminar a eleição presidencial. Na Alemanha ordenou-se o encerramento imediato das centrais anteriores a 1980 por três meses para avaliações, oportunidade de ouro para Merkel mostrar que de vez em quando estão do "lado bom" da Europa; as outras, presume-se, não apresentam riscos? E em Portugal? Em Portugal, Passos Coelho ainda acha que a questão do nuclear deve ser debatida e empresários conhecidos apressam-se a dizer disparates como: 'a catástrofe do Japão veio-nos mostrar como as centrais nucleares são seguras' ou que não podemos fazer do que se passou um 'bicho-papão'.

As instituições europeias propuseram, entretanto, a realização voluntária de testes de resistência às centrais existentes - aqui entre nós, afiguram-se já tão eficazes como os testes de stress feitos à banca. Que mais se pode esperar de um Comissário que diz que o destino do Japão está agora "nas mãos de Deus"? Não, nem o Japão nem nós estamos nas mãos de Deus, mas de 'pequenos deuses caseiros' que continuam a omitir a capacidade de destruição que tem a energia nuclear e que os riscos que lhes estão associados não são controláveis. Como disse Renato Soeiro, este é apenas mais um sinal da "catástrofe política" em que estamos mergulhados. Os níveis de contaminação do lóbi nuclear nem assim parecem perder força.

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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