Está aqui

Dividir para especular: até quando?

O volte face presidencial mostra como é diferente a tragédia se nos bate à porta: mudou o governo, mudou a sensibilidade.

A dificuldade aguça o engenho. Esta parece ser uma das conclusões das recentes mudanças de posição de Cavaco Silva sobre a crise das dívidas soberanas. A voz presidencial defendia os mercados e dizia que a crise teria de ser resolvida por cada país. Era cada qual por si. A austeridade seria a regra e a vida faustosa de um país que vivia acima das suas possibilidades tinha de ser corrigida. Não fizeram as contas e, agora, tínhamos de pagar a factura. Aos mercados nada se podia apontar e à Europa nada teríamos a exigir. Este foi o caminho de ruína da economia do país, da destruição de milhares de empregos e entregou Portugal a uma recessão profunda para os próximos anos. Ainda está fresco na memória mais um saque extraordinário anunciado para o Natal…

Contudo, os últimos dias trouxeram variantes nesta narrativa. O rating português caiu para ‘Lixo’ e soaram as sirenes no Palácio de Belém. Os mercados, afinal, poderiam ser questionados, as agências de rating não seriam tão isentas e a Europa não se podia ficar. Portugal estava a ser atacado, sem que motivos houvesse para isso. O volte face presidencial mostra como é diferente a tragédia se nos bate à porta: mudou o governo, mudou a sensibilidade. Agora, Cavaco Silva clama pela solidariedade europeia e até pede uma nova política monetária com a desvalorização do euro face ao dólar. Não tarda, irá defender a criação de dívida pública europeia conjunta e a até a renegociação da dívida portuguesa. São tormentosos os caminhos do capital que, quando o mercado falha, se clama por solidariedade. Assim foi com os bancos em 2008…

A Zona Euro está perante a maior escolha desde a sua criação: ou rompe com a austeridade patrocinada pela Alemanha, ou se assume com a solidariedade de quem iniciou um projecto em conjunto. Dividir para reinar é a escolha da especulação sobre as dívidas soberanas. Só a solidariedade será a solução neste combate contra a austeridade.

As soluções estão à vista de todos, mas à distância de um salto ideológico. A economia da austeridade é um buraco sem fundo e essa realidade começa a ser incontornável. A resposta à crise das dívidas soberanas só pode ser europeia e com a solidariedade de quem luta por crescimento económico e mais igualdade. A desvalorização do euro é um passo nesse caminho, com um aumento de competitividade das economias periféricas e uma maior homogeneidade no crescimento económico da Zona Euro. A emissão conjunta de dívida pública à escala europeia (os chamados eurobonds) é outros dos passos do aprofundamento desta resposta à especulação. A criação de uma agência pública europeia de rating é a introdução de transparência no nebuloso mundo das avaliações das dívidas soberanas. Essencial é uma renegociação urgente da dívida para romper o garrote de pagamentos extorsionários. Mas, não nos enganemos: estes são passos na construção de uma melhor integração europeia, mas não esgotam a Europa dos povos e para os povos que procuramos implementar. Contudo, são o programa de emergência para a salvação de uma Zona Euro a beira do colapso.

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
(...)