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Ananias pensa emigrar

Finalmente, o crédulo ouviu de Passos Coelho uma proposta que não implica em mais sacrifícios.

Ananias acredita em tudo o que diz o primeiro-ministro Passos Coelho. Tudo mesmo. Todas as palavras. Antes, confiava em todas as afirmações de José Sócrates. Também cria piamente em tudo o que diziam Santana Lopes, Durão Barroso e António Guterres.

Ananias ouviu com entusiasmo Pedro Passos Coelho convidar os portugueses, particularmente os professores e os técnicos mais qualificados, a emigrar para o Brasil ou para Angola. Finalmente, o primeiro-ministro estava a dar uma alternativa bem concreta que não fosse só fazer mais sacrifícios. Como está desempregado, Ananias começou logo a traçar os seus planos de emigração. Crédulo, não lhe passa pela cabeça deixar de seguir as palavras de Passos Coelho. Descartou de caras Angola, porque acharia muito desagradável ter de trabalhar num país “que já foi nosso”. O Brasil também já foi, é verdade, mas a independência é muito antiga e tudo se passou, digamos, amigavelmente. Por isso, Ananias resolveu pesquisar um pouco mais sobre o grande país irmão.

A primeira coisa que fez, evidentemente, foi ler o que diz a presidenta Dilma Rousseff. Se vai viver noutro país, Ananias tem de acreditar piamente no que diz a sua principal governante. Até porque não sabe viver de outra forma.

Foi então que o cérebro do nosso herói ameaçou dar um nó. Leu: “Austeridade não é a solução para a crise, alerta Dilma Rousseff. A chefe de Estado brasileira põe de lado aumentos de impostos e corte na despesa como o caminho para resolver a crise, o que, segundo ela, apenas fomenta o desemprego e não promove o crescimento. Na opinião de Dilma, o remédio para a crise passa pelo aumento do consumo e do investimento, em vez de mais medidas de austeridade.”

Ananias ficou totalmente perplexo. Como era possível que Passos Coelho aconselhasse os portugueses a emigrar para um país cuja presidenta diz exatamente o contrário dele? Como é que Ananias, que vive de beber as palavras do primeiro-ministro de turno, poderia viver no Brasil, alimentando-se de um discurso que diz exatamente o contrário das prescrições da sra. Merkel e do primeiro-ministro português?

Então, fez-se luz na sua cabeça: Ananias compreendeu a astuciosa manobra de Passos Coelho. A sua verdadeira intenção era sugerir a esses portugueses impatrióticos, que não acreditam nas medidas de austeridade prescritas pelas cabeças iluminadas da troika e eficientemente aplicadas pelo ministro Vítor Gaspar, que se mudassem para um país cuja governante defende coisas semelhantes aos extremistas de esquerda portugueses. “Eles que vão para lá!”, pensou Ananias. “Daqui a dois ou três anos, confiou ele, Portugal estará curado dos seus males e vai crescer fulgurantemente; os portugueses que tiverem feito muitos sacrifícios vão estar em condições de prosperar; já o Brasil, por não seguir a austeridade, vai estar mergulhado na crise, na recessão e quem sabe em algo pior. Os impatrióticos que forem para lá para fugir à austeridade vão ter o castigo que merecem.”

A mensagem de Passos Coelho, compreendeu Ananias, não é dirigida aos portugueses patriotas, dispostos ao sacrifício; esses sempre terão lugar no solo pátrio. É dirigida apenas àqueles que não confiam nas virtudes da austeridade.

Compreendida a manobra, Ananias arquivou todos os folhetos turísticos que já tinha reunido. Suspirou aliviado. Não se cansava de admirar a genialidade de Passos Coelho. Até ele, Ananias, um homem simples que as más línguas chamam de crédulo, consegue compreender as suas mais secretas intenções.

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Jornalista do Esquerda.net
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