Afinal havia um (ministro da Educação)

porJoana Mortágua

13 de dezembro 2023 - 16:54
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O deputado Pedro Nuno Santos votou contra e o candidato a líder do PS apresentou declaração de voto. O ministro diz que, afinal, poderá haver recuperação do tempo de serviço dos professores.

Há vários anos que o país está à espera de um ministro da Educação que venha resolver um problema perfeitamente identificado: a falta de professores. A recuperação do tempo de serviço prestado mas não contado tem sido a reivindicação bandeira de uma exigência de respeito pela profissão. Tiago Brandão Rodrigues e João Costa, detentores da pasta da Educação desde 2015, responderam sempre a esse apelo com toda a frieza de um "não".

Contra a recuperação do tempo de serviço, em maio de 2019, António Costa ameaçou mesmo demitir-se. Ainda se lembram? Na altura, tanto o PSD como o CDS foram a correr mudar o voto à 25.ª hora para chumbar a recuperação do tempo de serviço proposta pelo Bloco de Esquerda.

É por isso que agora causa tanto espanto ver Montenegro tão preocupado com os professores. A promessa do PSD a esse respeito é antinatura, cheia de truques e já nasceu afogada em impossibilidades. É antinatura porque a história do PSD é a do despedimento de professores. Foram quase trinta mil os docentes considerados “excedentes” durante a governação do PSD/CDS, em coerência com uma linhagem ininterrupta de dirigentes "laranja" que, de Nuno Crato a Rui Rio, consideraram que em Portugal “há professores a mais”. A proposta de recuperação de tempo de serviço do PSD é cheia de truques porque arrasta sempre um adjetivo, e é assim desde o primeiro momento. Há sempre um “possível” ou “exequível” a seguir a tempo de serviço, determinado quiçá por Bruxelas ou por um futuro detentor da pasta das contas certas.

Mas voltemos à falta de um ministro que responda pelos problemas da Educação, afinal o PS governa desde 2015. Desde dezembro de 2022, durante um ano intenso de protestos, greves e negociações, João Costa recusou sempre que fosse possível uma recuperação integral do tempo de serviço dos professores. Os sindicatos continuaram disponíveis para modalidades faseadas de recuperação, mas do lado do Governo PS encontraram uma parede. Para que não restassem dúvidas, em fevereiro de 2023, Fernando Medina assegurou que o “equilíbrio das contas públicas” estava acima de qualquer negociação com os professores. Esse oráculo concretizou-se. Para o que importava, havia o veto do ministro das Finanças, mas não um ministro que respondesse pela Educação.

Ainda há poucos dias, todos os deputados do PS votaram disciplinadamente contra todas as propostas de recuperação do tempo de serviço dos professores. Curiosamente, o deputado Pedro Nuno Santos votou contra e o candidato a líder do PS Pedro Nuno Santos apresentou uma declaração de voto. Considera “fundamental” recuperar o tempo de serviço. Estava anunciada a promessa mas as letras pequeninas não tardaram: afinal a recuperação do tempo de serviço teria de ser submetida ao equilíbrio orçamental imposto pela redução da dívida; afinal, talvez uma legislatura não baste.

O Governo quis fazer dos professores a primeira linha de ataque contra as reivindicações dos funcionários públicos. Foi um erro. Os estudantes e as suas famílias sabem que faltam professores e entendem por que razão os professores se sentem desvalorizados.

Vejam bem o desplante de um ministro já demitido, João Costa veio admitir a recuperação de tempo de serviço que durante anos negou aos professores

Acontece que, agora, vejam bem o desplante de um ministro já demitido, João Costa veio admitir a recuperação de tempo de serviço que durante anos negou aos professores. O ministro da Educação diz – agora – que, afinal, poderá haver margem para a recuperação integral do tempo de serviço dos professores numa próxima legislatura.

Promessas leva-as o vento, e o clima não está para menos. No dia 11 de março, quando rebentar a bolha do eleitoralismo, quer PS, quer PSD estarão, sem surpresa, obcecados com o equilíbrio orçamental imposto pela redução da dívida pública. Quando passar a ventania permanecerá o inacreditável caso de um ministro da Educação que só se lembrou que o era depois de deixar de ser.

Artigo publicado em publico.pt a 11 de dezembro de 2023

Joana Mortágua
Sobre o/a autor(a)

Joana Mortágua

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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