A 4ª vaga de Democratização?

porJoão Ricardo Vasconcelos

05 de fevereiro 2011 - 0:05
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A queda de ditaduras e a tentativa de implantação de democracias pode de facto ser algo muito contagioso.

No momento em que escrevo este artigo, Mubarak ainda se mantém no poder. De qualquer modo, os acontecimentos no Egipto têm-se precipitado de tal forma que não seria de estranhar que hoje, sexta-feira, alterações grandes já tivessem ocorrido. A impressionante pressão popular a que está a ser sujeito o regime autoritário com mais de 30 anos promete não deixar nada como dantes. O regime até pode sobreviver a curto prazo, mas as suas bases parecem seriamente danificadas para resistir ao tempo que passa.

As expectativas e holofotes internacionais que agora estão centrados no Cairo não acontecem por acaso. A queda de ditaduras e a tentativa de implantação de democracias pode de facto ser algo muito contagioso.A forma como a revolução tunisina se fez sentir na região envolvente, mas não só, demonstra isso mesmo. Esta propagação, contágio ou efeito dominó (como preferirem) é um dos factores que está na base das chamadas vagas de democratização, fenómeno significativamente estudado no âmbito da Ciência Política.

A título de exemplo, a conhecida terceira vaga de democratização teorizada por Samuel Huntingtoncomeçou em 1974 em Portugal e alastrou-se nos anos seguintes a Espanha, Grécia, América Latina e Europa Central e de Leste. O último quarto do século XX foi nitidamente marcado pela referida vaga. Segundo Huntington (TheThird Wave, 1993: 26), existiam 30 Estados democráticos em 1973. Em 1990, passaram a ser 59. Claro que podemos discutir o grau de consolidação das referidas democracias, mas o que é facto é que em poucos anos o número de regimes democráticos ou com fortes contornos democráticos duplicou.

Importa igualmente distinguir duas dimensões centrais. A queda de um regime autoritário é apenas a primeira fase necessária para se dar início a um processo de transição para a democracia. O sucesso deste processo, que envolve uma série de outros desafios (primazia do Estado de Direito, respeito pelas liberdades fundamentais, realização de eleições livres), é naturalmente incerto.

Tal como já tem sido bastante discutido nos últimos dias, a queda de Mubarak assumiria um simbolismo gigantesco em toda a região, podendo impulsionar um formidável efeito dominó de colapso de regimes autoritários. Por outro lado, afastados alguns fantasmas do fundamentalismo islâmico, parece claro que é sobretudo o desejo de democracia que está a mover a onda de oposição ao regime. É certo que profetizar que uma 4ª vaga de democratização poderá nos próximos anos varrer o Magreb e o Médio Oriente não passa disso mesmo, de um misto de desejo e futurologia. De qualquer modo, são também estranhas misturas como esta que ajudam as coisas a acontecer.

João Ricardo Vasconcelos
Sobre o/a autor(a)

João Ricardo Vasconcelos

Politólogo, autor do blogue Ativismo de Sofá
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