A sombra dos lobbies na saúde

26 de novembro 2007 - 0:00
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A pressão dos lobbies deixa-se sentir a todos os níveis de decisão: no Parlamento Europeu e na Comissão Europeia, nos diferentes governos estatais, nos autonómicos e nos municipais.



Artigo de Miguel Jara, jornalista do Diagonal, publicado a 17/10/2007. Tradução de Adriana Lopera.  



Após quatro anos de investigação a conclusão do estudo Reflex, no qual participaram investigadores de 12 países europeus, é que as ondas electromagnéticas da telefonia móvel produzem alterações do ADN que transporta a informação genética nas células. Conclusões que se vêm juntar aos cerca de 3.000 estudos científicos sobre a contaminação electromagnética que emana dos telemóveis e das suas antenas emisoras-receptoras, das torres de alta tensão ou dos transformadores eléctricos. Mesmo assim, boa parte da população ainda acredita na inocuidade destas tecnologias.



Esta é se calhar uma das maiores vitórias protagonizadas por um sector industrial, o das telecomunicações, nos últimos anos: o desenvolvimento e popularização do telemóvel.

Mas, como conseguiu esta indústria tal ameaça para a saúde pública? O estudo Reflex foi financiado pela União Europeia mas a descoberta não deve ter agradado aos seus mentores, e após uma primeira publicação retiraram-se os fundos, mesmo tendo sido investidos 3,15 milhões de euros. Na verdade, pese a existência de muitas investigações que advertem sobre os perigosos efeitos das ondas electromagnéticas na nossa saúde, a maior parte são pagas pelas companhias eléctricas e das telecomunicações.



Estas investigações tentam explicar a inocuidade desta tecnologia ou minimizam os seus riscos. Tudo isso faz parte do trabalho dos lobbies ligados a estas companhias: criar confusão entre a população, uma confusão "documentada cientificamente". E enquanto os "peritos" decidem se os telemóveis são "bons" ou "maus" para o cidadão, as operadoras continuam a vendê-los, expandindo a sua rede de antenas telefónicas e criando novos serviços para seduzir os consumidores.



Cientistas perseguidos



Ao mesmo tempo em que isto acontece, os cientistas que fazem e publicam as suas fatais averiguações são sistematicamente perseguidos. O Centro de investigação Alonso de Santa Cruz, de Alcalá de Henares (Madrid), dirigido pelo Doutor José Luís Bardasano Rubio, tem realizado numerosos trabalhos e reuniões de grande nível sobre a contaminação eléctrica e magnética. Misteriosamente, foi encerrado em Novembro de 1999. Em janeiro de 2002 aconteceu algo parecido ao pioneiro na investigação sobre electromagnetismo, o francês Roger Santini, já falecido.



Em 2000, Cláudio Gómez Perretta, Chefe de Secção no centro de Investigação do Hospital Universitário La Fé de Valência e um dos investigadores mais prestigiados sobre os campos electromagnéticos, foi ameaçado, segundo o seu próprio testemunho, pela gerência do centro sanitário com uma falta grave se persistisse no seu empenho de continuar a investigar os campos electromagnéticos e as suas consequências sobre a saúde humana. O certo é que, finalmente, em 2002 foi retirado das suas investigações por ter difundido averiguações nada favoráveis para a indústria. Outro colega de Perretta, Manuel Portolés, explica em Conspirações Tóxicas que foi espiado através do seu computador pela empresa Telefónica, que o tem ameaçado com acções judiciais por realizar denúncias públicas sobre a atitude destas companhias.



Entretanto, o documentário Contracorrente, realizado há anos pela TVE, continua sem ser emitido. Nele, Javier Aguilera, ex-conselheiro delegado da Telefónica, reconhece publicamente: "Uma pessoa morre por 38.000 coisas. Que esta é mais uma delas? Olhe, indiscutível. Que é mais uma causa mesmo para os que não usam telemóveis? Indiscutível. E os que usam telemóvel não deviam conhecer este factor? Sem dúvida". Fica claro?



O silêncio contamina-se



A compra do silencio é outro trabalho habitual dos lobbies industriais contaminantes. Nos conselhos em que está instalada uma central nuclear os poucos estudo epidemiológicos existentes explicam-nos que nelas se produzem certos tipos de cancro que praticamente não existem nas zonas que não têm estes equipamentos. Isto não interessa que se saiba e é por isso que as empresas proprietárias, a Empresa Nacional de Resíduos Radiactivos (ENRESA) ou a Associação de Municipios em Áreas de Centrais Nucleares (AMAC), dispõem de fundos para o "desenvolvimento local" que utilizam em actividades culturais, desportivas ou festivas nas localidades que interessa manter caladas. Mais ainda, na zona envolvente de Almaraz, Zorita, Vandellòs, Trillo o Garoña grande parte dos presidentes de Câmara e deputados municipais das vilas trabalham ou já trabalharam na central que acolhem. Silêncio garantido.



Tudo isto precisa dum trabalho sistemático de relações públicas e contactos directos entre o pessoal das empresas e associações empresariais, os lobbistas, com os políticos e funcionários locais. As administrações regionais também não se libertam dos lobbies que atentam contra o meio ambiente e a saúde pública. Na Extremadura, num dos conselhos mais férteis de toda a União Europeia, Tierra de Barros (Badajoz), o empresário mais rico da Comunidade Autónoma, Alfonso Gallardo - que começou num ferro velho mas que graças às subvenções públicas da Junta de Extremadura construiu um império de fábricas de aço e betão - quer instalar uma refinaria petroquímica.



Em pleno século XXI, o da preocupação pela crise ecológica mundial, sócios como o BBVA, Iberdrola, Caja Madrid ou Caja de Extremadura acompanham-no. O Grupo Afonso Gallardo tem em Francisco Fuentes Gallardo, sobrinho do chefe e senador do PSOE pela Extremadura a sua aliança com o Governo da Extremadura. A companheira sentimental do segundo é a delegada do Governo, Carmen Pereira, na terra do porco ibérico, e tem-se destacado por reprimir qualquer crítica ao projecto contaminante.



Para que a população da Extremadura lhe dê o seu beneplácito, os questionários favoráveis aos interesses de Gallardo e da Junta de Extremadura são realizados pelo Instituto Opina, que trabalha, entre outros partidos, para o PSOE. As perguntas incómodas são evitadas eas conclusões são depois reproduzidas pelos órgãos comunicação em que o empresário inserta publicidade ou que pertencem a accionistas que também são do projecto de refinaria.



A "mordaça informativa"



Para que todos estes planos e tecnologias cheguem a bom porto, é necessária a participação da imprensa. É o que se chamou "A mordaça corporativa": as grandes companhias e os seus lobbies têm departamentos encarregados de chamar os média antes, durante ou depois da publicação duma reportagem, seja para "oferecer a sua versão" dos factos, para ameaçar com acções judiciais se publicarem o trabalho em curso ou simplesmente para se queixar pela difusão dos mesmos e tratar para que se conte com eles para futuros assuntos. De tal modo que pressionar a imprensa inserindo publicidade, subvencionando espaços concretos, oferecendo prémios aos jornalistas, bombardeando-os com "informação", é um trabalho indispensável para qualquer lobby.

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