O «Não» nunca deixou de defender a perseguição das mulheres

01 de fevereiro 2007 - 0:00
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A deputada Helena Pinto afirmou na Assembleia da República que os deputados que defendem o NÃO à despenalização do aborto nunca propuseram o fim da penalização da mulher. «Faça-se justiça sobre esta matéria e diga-se a verdade. Quem defende o NÃO nunca apresentou uma proposta para a despenalização das mulheres» sublinhou a deputada do Bloco de Esquerda.



Veja a intervenção de Helena Pinto em vídeo



Tanto os movimentos como vários deputados defensores do NÃO têm insistido que são contra a penalização das mulheres e que existem diversas propostas no parlamento que só não vão para a frente porque existe resistência ao seu agendamento. No entanto, nunca nenhum deputado do NÃO propôs uma medida legislativa concreta que evitasse essa situação.



Helena Pinto frisou que «o Parlamento só tem propostas de despenalização apresentadas pelos defensores do SIM» e que «a coligação PSD/CDS-PP recusou todos os caminhos nesse sentido, fosse um referendo fosse uma lei».



Mesmo o projecto de lei de duas deputadas independentes do Grupo Parlamentar do Partido Socialista não é um projecto sobre despenalização, visto que continua a considerar a interrupção voluntária da gravidez como um crime, cujo respectivo julgamento a mulher só poderá evitar se confessar que cometeu esse crime. «Não é um projecto sobre despenalização, é sobre suspensão provisória do processo (...)É um julgamento à porta fechada e sem hipótese de recurso, de uma mulher que tem que aceitar que é criminosa para poder escapar à prisão», afirmou a deputada.



 



Declaração Política



Helena Pinto



1 de Fevereiro de 2007



 



 



A campanha do Referendo à despenalização do aborto já começou e o país é atravessado por um intenso debate.



O Bloco de Esquerda não quer repetir na Assembleia da República o debate que se realiza na sociedade, que envolve partidos e movimentos, pois é toda a sociedade que é agora chamada a pronunciar-se com o voto.



Mas há aspectos específicos deste debate que envolvem directamente o Parlamento, que responsabilizam o Parlamento e que exigem esclarecimento no Parlamento.



Este Referendo e a pergunta colocada aos portugueses e portuguesas são decisões deste Parlamento.



Por isso mesmo não nos podemos alhear daquilo que é dito acerca da pergunta referendária e acerca de alternativas legislativas que estariam a ser consideradas.



Temos ouvido deputadas do Não afirmarem que existem diversas propostas para resolver a questão da penalização das mulheres que interromperam uma gravidez. Essas deputadas acusam o Parlamento de não querer discutir as suas propostas.



Chega-se mesmo ao ponto de um porta-voz do Não escrever num jornal diário que o "Parlamento rebenta com propostas" que recusaria debater.



Faça-se justiça sobre esta matéria e diga-se a verdade. Quem defende o Não nunca apresentou uma proposta para a despenalização das mulheres.



Repito: quem defende o Não nunca apresentou uma proposta para a despenalização das mulheres.



Na anterior legislatura, debateu-se a realização de um referendo, chumbado por ordens do governo de direita. Os partidos do governo de então nunca apresentaram nenhuma proposta para a despenalização e sempre recusaram todos os caminhos nesse sentido, fosse um referendo fosse uma lei votada no parlamento.



É bom não esquecer que o Dr. Bagão Félix, agora porta-voz do Não, que em 98 disse que nenhuma mulher seria julgada e que hoje diz que não quer penalizar as mulheres, não hesitou, enquanto Ministro do Trabalho, em penalizar as mulheres que tiveram que interromper uma gravidez, através do Código de Trabalho. É bom não esquecer que, durante esse período de governação, houve mais de cem mil mulheres que perderam o emprego, que a pobreza aumentou e que as discriminações se agravaram, ficando as mulheres mais vulneráveis.



Mas agora estamos numa nova legislatura e com uma nova maioria. E agora como antes, não houve nenhum defensor do Não que tenha apresentado qualquer proposta para a despenalização do aborto. O Parlamento não só não "rebenta pelas costuras de propostas" como não tem nenhuma apresentada pelos defensores do Não. O Parlamento só tem propostas de despenalização apresentadas pelos defensores do Sim.



Já nesta Legislatura deu entrada na Mesa da Assembleia da República um Projecto-Lei assinado por duas deputadas independentes do Partido Socialista, com o seguinte título: "Sobre a suspensão provisória com carácter obrigatório do processo penal em certos casos de interrupção voluntária de gravidez".



As senhoras deputadas têm naturalmente toda a legitimidade para apresentar este projecto.



Mas a verdade é que não é um Projecto sobre despenalização. É um projecto sobre suspensão provisória do processo, que implica que a Lei continua a considerar o aborto com um crime, que continua a perseguir a mulher que aborta como uma criminosa que pode ser sujeita a três anos de prisão mas que aceita que, se a mulher reconhece que cometeu o crime e aceita todas as injunções e punições que o ministério público determinar, então não é julgada.



É um julgamento à porta fechada e sem hipótese de recurso, de uma mulher que tem que aceitar que é criminosa para poder escapar à prisão.



Essa é a única proposta dos defensores do Não. Essa proposta não quer despenalizar. Quer condenar sem direito a defesa nem a recurso. Quer apontar a dedo, estigmatizar e perseguir. É uma lei impiedosa e maldosa. Rejeitamos essa farsa de justiça que persegue, condena e humilha as mulheres.



Durante o verão passado surgiu também uma iniciativa de cidadãos para proporem uma lei para "Proteger a vida sem julgar a mulher", dirigida ao Presidente da Assembleia. Só que esta iniciativa legislativa morreu antes de chegar ao parlamento.



Existe ainda outra questão.



Este Referendo tem uma pergunta e ela foi aprovada por este Parlamento, ratificada pelo Tribunal Constitucional e pelo Presidente da República. A resolução que define a pergunta foi aprovada pelos votos do PS, do PSD e do Bloco de Esquerda, e só o CDS propôs alterações à pergunta.



Como é então possível que o senhor deputado Marques Mendes venha agora, em plena campanha, dizer que a pergunta é "enganosa"?



Naturalmente, cada pessoa tem a sua opinião sobre o voto, defende-a, faz campanha. Mas o que não se pode fazer é dar o dito pelo não dito. E, se mudou de posição em tão curto espaço de tempo, tem o dever de o explicar.



Não se pode aprovar uma coisa hoje e amanhã desdizer esse voto. Não se pode votar uma pergunta e chamar-lhe logo depois "enganosa". O deputado Marques Mendes não respeitou a sua responsabilidade como deputado e espero sinceramente que seja a única vez na sua vida em que vai dizer ao país que votou de forma "enganosa". Mais do que desprestigiar o Parlamento, Marques Mendes desprestigia o lugar de deputado e a coerência do seu mandato.



Em nome da clareza do trabalho parlamentar temos que tirar duas conclusões.



A primeira é que só existe uma proposta de despenalização das mulheres que realizem um aborto neste Parlamento, que é o Projecto-Lei aprovado e que depende do resultado da votação do povo português para que complete o processo legislativo.



Têm os partidários do Não repetido que há outras propostas de despenalização. É uma falsidade. Tais propostas não existem nem existiram.



A segunda conclusão é que uma grande maioria de deputados e deputadas votou a pergunta a referendo e com certeza que a votou porque concordou com ela.



O próximo Referendo é muito importante para a democracia portuguesa e por isso exige um debate sereno, coerente, esclarecedor e mobilizador.



Não posso terminar sem dizer que enquanto órgão de soberania, que aprovou a realização do Referendo, temos especiais responsabilidades, enquanto partidos políticos, mas também enquanto cidadãos e cidadãs.



Aliás tem-se dito e com toda a razão, que esta questão não é simplesmente um problema dos partidos políticos, mas sim uma questão que vai além dos partidos.



Por isso muitas e muitos de nós não se demitiram do seu papel de cidadãs e cidadãos e estão empenhados no próximo acto colectivo de cidadania que é o Referendo.Respondendo à pergunta que o Parlamento aprovou, muitas e muitos deputados de todos os partidos tomaram a palavra pela despenalização da mulher que abortou e pelo fim da vergonha do aborto clandestino: do Bloco de Esquerda, do PS, do PSD, do PCP, do CDS e dos Verdes. Em nome de uma lei europeia, em nome da civilização, em nome da liberdade e responsabilidade, em nome do bom senso, do lado do SIM encontram-se muitas pessoas, tão diferentes politica e partidariamente, mas que convergiram pela única resposta que devem dar: no dia 11 deve terminar a perseguição criminal das mulheres.



Ainda bem que a sociedade portuguesa conseguiu produzir este alargado consenso sobre a necessidade de alterar o artigo 140.º do Código Penal. Saúdo por isso todos os que empenham a sua opinião neste referendo e, em particular, todas e todos os que contribuem para a maioria do Sim.

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