A Invicta Filme

Jorge Campos contextualiza as origens da Invicta Filmes, do trabalho que desenvolveu para criação de públicos para o cinema português até ao seu fecho em 1931. 

21 de abril 2017 - 20:16
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A experiência da Invicta Filme, empresa com estúdios no Porto, corresponde ao primeiro grande ciclo do cinema português, o qual está, por sua vez, associado à tentativa de levar a cabo uma produção nacional à escala europeia. Entre 1910 e 1925 produziu mais de uma centena de filmes documentais de apreciável duração, o que contribuiu para a formação de uma corrente de opinião segundo a qual aquilo que de mais interessante se fez, embora sem grande ousadia formal, e pelo menos até 1918, terá sido, justamente, nessa área.. A partir desta data, porém, o prestígio que a empresa viria a conhecer ficou a dever-se aos seus filmes de enredo.

Alfredo Nunes de Matos, gerente do Jardim Passos Manuel, sala inaugurada em 1908 por onde passava grande parte do cinema visto na cidade, foi a figura central deste ciclo do Porto. Em 1910, ano da implantação da República, começou a produzir reportagens cinematográficas, sobretudo no norte do país, fazendo simultaneamente pequenos filmes publicitários de encomenda. A Invicta Filme – a primeira designação da empresa, então de modestas proporções, foi Nunes de Matos & Cia – contratou talentosos operadores como Manuel Cardoso e Thomas Mary Rosell e filmou milhares de metros de película cujos princípios orientadores eram a fidelidade à temática portuguesa e a urgência, à qual o jornalismo viria a chamar imediatismo, de dar a ver o que de mais importante se passava. Desse modo, Nunes de Matos conseguiu não apenas agradar a um público vasto, mas também interessar os jornais de actualidades da Pathé e da Gaumont, em França, dos quais se tornou correspondente.

Há numerosos títulos produzidos nessa primeira fase. Seguem-se alguns exemplos. Em 1911 fizeram-se as Festas de Aniversário da República,. No ano seguinte, Visita ao Porto do Presidente da República. Com o estalar da I Guerra Mundial, numa altura em que se começava a discutir de forma virulenta se o País devia ou não entrar no conflito – uma polémica na qual se envolveram monárquicos e republicanos, por um lado, e republicanos entre si, por outro – a Invicta produziu, nomeadamente, O Embarque das Tropas Expedicionárias para Angola e Moçambique, Exercícios de Artilharia, Grandes Manobras de Tancos, todos sobre a preparação para a entrada na guerra, bem como Revolução em Lisboa e Chaves-Incursões Monárquicas. Para além, naturalmente, da produção das habituais vistas e panoramas sobre os temas mais diversos como feiras e romarias, actividades profissionais, curiosidades de índole local e os inevitáveis filmes monográficos sobre vilas e cidades de Portugal.

De toda a produção anterior a 1917 cumpre destacar O Naufrágio do Veronese, um navio italiano que se afundou ao largo de Leixões em 10 de Fevereiro de 1913. Denotando sentido de oportunidade, a Invicta produziu uma grande reportagem de 300 metros, da qual foram vendidas, só para a Europa, mais de uma centena de cópias.

1917 é, aliás, determinante. É o ano da primeira conferência sobre cinema realizada em Portugal animada por António Ferro, mais tarde o homem forte de Salazar para a propaganda. Ligado ao movimento futurista foi – a par do desenhador Stuart Carvalhais, do crítico de arte Reis Santos, do então estudante de arquitectura Cottinelli Telmo e do jornalista Leitão de Barros –  um dos primeiros intelectuais portugueses a ser conquistado pelo cinema. Multiplicaram-se as salas de cinema. No Porto, a empresa Esteves & Pascaud inaugurou o salão Jardim Trindade com mais de 1100 lugares e com um terraço para cinema ao ar livre.

Nesta conjuntura, a Invicta Filme mudou de rumo. A 22 de Novembro de 1917 foi fundada uma nova sociedade tendo como administrador principal Nunes de Matos e como director artístico Henrique Alegria, um português do Brasil e proprietário do cinema Olímpia. Nos seus estatutos não havia quaisquer referências de índole cultural ou artística. Tratava-se, como neles se pode ler, de “promover o fabrico, aluguer e venda de películas cinematográficas”.

Os associados da Invicta Filme eram portuenses e estavam ligados à banca, ao comércio e a diversas profissões liberais. Mas estavam também profundamente ligados à cidade do Porto, tendo inclusivamente recusado facilidades para a construção dos estúdios em Lisboa. O próprio nome da empresa é revelador: o Porto, que tem participação decisiva em episódios centrais da História de Portugal, é a cidade Invicta por ter resistido às invasões francesas e aos exércitos absolutistas de D. Miguel.

Que dizer sobre os filmes de enredo desta empresa cuja produção mais significativa principia em 1919 e vai até 1923? Pois, tratando-se de uma empresa comercial, procurou sempre apostar em projectos com garantia de retorno dos investimentos realizados. Nunca se evidenciou, porém, pelo arrojo estético. Georges Pallu, por exemplo, viera do Film d’Art francês e, como assinala João Bénard da Costa, por aí se situariam as melhores expectativas cinéfilas dos seus associados.

Contudo, alguns dos filmes produzidos não só tiveram sucesso, mas também representaram um salto em relação ao que até então se fizera. Estão neste caso fitas de Georges Pallu como Os Fidalgos da Casa Mourisca (1920) e Amor de Perdição (1921), adaptações, respectivamente, de Júlio Dinis e de Camilo Castelo Branco, e Mulheres da Beira (1923) do realizador italiano Rini Lupo. Escreveu Luís de Pina (1978):

“O papel mais relevante desta empresa foi o de ter demonstrado a possibilidade de um cinema de qualidade ‘média’ feito sem demasiada transigência e com evidente preocupação técnica. Nas suas instalações da Quinta da Prelada, no Porto, fez-se cinema a sério com tudo o que isso implica, desde os filmes em si à infraestrutura que os produz e à verdadeira escola de prática que uma produção deste tipo permite.”

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