Guerra de propaganda: Batalha pelo Congresso afunda na lama

04 de novembro 2006 - 0:00
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As actuais eleições intercalares são provavelmente as mais negativas na história recente dos Estados Unidos, dizem os especialistas. Pior, não se trata apenas de propaganda negativa, de ataques ao adversário. Trata-se também do conteúdo: a propaganda negativa tem usado frequentemente temas sexuais ou racistas. A maioria vem dos republicanos, mas há também propaganda democrata. Excertos de um artigo publicado originalmente no The Observer, acompanhado dos vídeos citados.

Batalha pelo Congresso afunda na lama

Sexo, racismo... as apostas são tão altas nas eleições americanas intercalares que, para ambos os partidos, qualquer acusação serve.

Paul Harris, 29/10/2006, The Observer (extractos)

A menos de duas semanas de terminar uma campanha muito disputada, as eleições intercalares americanas são das mais sujas e negativas da história recente.

Uma pilha de "anúncios de ataque" provocou ondas de choque através dos Estados Unidos, à medida que candidatos rivais procuram cravar pontos nas sondagens. E um tema principal emergiu em muitos deles. Não é o Iraque. Ou o terrorismo. É o sexo. Há candidatos acusados de usar linhas de sexo por telefone, de ir a festas da Palyboy, de escrever livros que encorajam a pedofilia, de atacar ex-amantes ou de pagar por sexo.

A maioria, mas não todos os anúncios são de republicanos atacando os democratas, que parecem estar a caminho de uma vitória histórica. "Estas eleições são provavelmente as mais negativas na memória recente", diz o cientista político John Geer, da Universidade Vanderbilt e autor de um livro sobre a propaganda política negativa.

Não tem havido descanso na catadupa de ataques com temas sexuais. Na semana passada, numa corrida apertada para o Senado na Virgínia, a campanha do republicano George Allen pôs no ar longos excertos de novelas escritas pelo opositor democrata Jim Webb. Continham cenas gráficas de sexo, abuso de crianças e prostituição. "Os escritos de Webb são perturbadoras para um candidato que espera representar as famílias da população da Virginia", disse um porta-voz de Allen.

A campanha de Webb retorquiu que Allen estava simplesmente a lançar "calúnia após calúnia". Os livros de Webb são romances históricos, muitas vezes passadas no Vietname, e o próprio candidato é um condecorado veterano de guerra.

Mas há muitos outros exemplos de anúncios com ataques sexuais. Em Nova York, um grupo republicano lançou um anúncio acusando o democrata Michael Arcuri de usar o dinheiro dos contribuintes para ligar para linhas de sexo.

Em linguagem que não é costume usar no debate político, o anúncio mostra uma actriz fazendo de operadora de uma linha de sexo que diz: "Olá sexy, chegaste à linha de fantasia um-para-um". De facto, um membro do staff de Arcuri tinha-se simplesmente enganado ao marcar o número da divisão de Nova York do Departamento de Justiça Criminal.  

Mas as acusações não vêm apenas de um lado. Houve democratas que atacaram o republicano Don Sherwood, da Pensilvânia, usando alegações de uma ex-amante que afirmava que ele a teria tentado estrangular. 

Também fizeram anúncios contra o republicano John Sweeney, de Nova York, por ter comparecido a uma festa de fraternidade que mostra um Sweeney dançando com miúdas de maneira lasciva.

Mesmo num processo político usado para causar escândalos, a enorme ênfase dada ao sexo é novidade. "Muitas destas coisas sobre sexo são novidade. Este ano, o sexo está a vender", diz Geer.

Especialistas acreditam que a grande ênfase dada à propaganda negativa nesta campanha tem várias causas. Estudo após estudo mostra que a propaganda negativa é muito mais eficiente que a positiva, e por isso, campanhas apertadas são muito mais passíveis de usá-la. Como há muito em disputa nestas eleições intercalares, a ênfase nos ataques esteve presente desde o início. Além disso, nenhum dos lados tem uma agenda séria em torno da qual fazer campanha: os republicanos viram o segundo mandato de George W. Bush afundar numa onda de escândalos, enquanto os democratas não conseguíram apresentar uma oposição unificada em muitas questões, especialmente em tópicos cruciais como o Iraque ou a imigração.

Mas os anúncios negativos não atacam apenas com indiscrições sexuais reais ou insinuadas. Também atacam com temas raciais. No Tennessee, o democrata negro Harold Ford foi alvo de um anúncio que era tão controverso que até o candidato republicano tentou distanciar-se dele. O anúncio apresentava uma longa lista de ataques a Ford, antes de mostrar uma mulher branca e loura que insinua ter-se encontrado com Ford numa festa da Playboy e depois pisca para a câmara dizendo: "Harold, liga para mim!"  

O anúncio escandalizou muita gente porque usa um velho estereótipo sexual/racial que ainda tem um poderoso eco nos estados do sul como o Tennessee: acusações de relações sexuais entre homens negros e mulheres brancas, usados muitas vezes como desculpa para linchamentos no Sul profundo. O anúncio também aparece num momento em que alguns dos mais importantes republicanos desautorizaram publicamente uma "estratégia sulista" de cortejar os brancos deliberadamente.

Um porta-voz do Comité Nacional Republicano disse que as acusações de racismo "não eram justas, nem sérias, nem precisas". Mas muitos especialistas discordam.

Para muitos americanos, a litania de anúncios negativos é frequentemente deprimente. Mesmo quando não envolvem argumentos sexuais, são extremas. Os democratas têm sido acusados de avançar a "agenda homossexual" e os republicanos têm sido acusados de vender armas a violadores de crianças. Sobre a questão do terrorismo, os republicanos usaram frequentemente fotografias de Osama bin Laden. Um anúncio, exibido em todo o país, mostrava uma variedade de vídeos de bin Laden e de outros terroristas e uma banda sonora que era apenas o tique-taque de um temporizador de bomba. 

Muitos especialistas vêem as tácticas republicanas como uma medida de desespero. Os democratas precisam ganhar apenas 15 lugares na Câmara de Representantes e seis no Senado para conquistar controlo de todo o Congresso. Muitas sondagens mostram-nos atingindo os objectivos e o humor entre muitos estrategas do partido está provavelmente no ponto mais optimista desde que Bill Clinton chegou ao poder. Para evitar a vitória democrata, os republicanos têm de mobilizar a sua base conservadora, e a propaganda de ataques extremistas - especialmente sobre questões sociais como sexo, direitos dos gays ou aborto - são frequentemente considerados a melhor forma de consegui-lo.

Mas os republicanos têm outros truques na manga. O guru político de Bush Karl Rove é famoso por criar uma rede nacional de activistas para actuar nas últimas 72 horas em qualquer campanha republicana. A rede é montada para maximizar a mobilização dos eleitores conservadores e é vista como muito superior às organizações democratas, que se apoiam nos sindicatos.

A máquina republicana também usa mais técnicas sofisticadas desenvolvidas por empresas de marketing que identificam os seus eleitores prováveis e as questões que os mobilizam. Os republicanos também recolheram 200 milhões de dólares desde as eleições de 2004, quase o dobro dos 108 milhões levantados pelos democratas.

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