Choram-se os mortos do Irão - mas a luta continua

18 de junho 2009 - 23:00
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O "presidente" Mahmoud Ahmadinejad - e as aspas são cada vez mais apropriadas no Irão de hoje - está mesmo em maus lençóis. Há neste momento três inquéritos oficiais sobre a sua suposta vitória eleitoral e a violência que lhe seguiu, enquanto deputados iranianos conservadores se enfrentam usando os punhos numa reunião privada atrás do plenário da assembleia, depois de seguidores de Ahmadinejad terem-se oposto a uma referência oficial à "dignidade" com que o líder da oposição, Mir Hussein Moussavi, respondeu às perguntas dos parlamentares. Os que se mantêm próximos ao homem que ainda credita ser o presidente do Irão dizem que o próprio está muito abalado - mesmo traumatizado - pelas manifestações maciças contra ele em todo o país.



Na quinta-feira 18/6, dezenas de milhares de apoiantes de Moussavi manifestaram-se vestidos de preto pelas ruas do centro de Teerão, numa emotiva demonstração de luto - a segunda em dois dias - pelos mortos do pós-eleição. Numa cidade simbolizada pelo seu trânsito brutal e altíssimos níveis de decibéis, marcharam em silêncio total por quase cinco quilómetros, levando faixas e cartazes lamentando as mortes da Praça Azadi e da Universidade de Teerão e noutras cidades iranianas. E não tinham dúvidas sobre os riscos políticos - e físicos - que estavam a assumir.



Um engenheiro químico marchando no centro do grande cortejo negro pensou alguns segundos quando lhe perguntei o que vai acontecer depois. "Ninguém sabe, mas pensamos nisso o tempo inteiro", respondeu por fim. "Não podemos parar agora. Se pararmos, eles vão nos comer. O melhor seria que as Nações Unidas ou outra organização internacional monitorizasse uma nova eleição." Com ilusões semelhantes, constrói-se o desastre.



Mas a mulher deste homem estava com um humor que quase pertencia à vasta multidão negra. Ela é advogada comercial que também estudou psicologia. "Se deixarmos andar, agora, vamos ter de enfrentar alguém como Pinochet - e os nossos ditadores não são ditadores actualizados", disse-me, sem um esboço de sorriso. "A minha experiência em psicologia é muito útil. Ahmadinejad tem um clássico problema de psicose. Mente muito e é alucinatório, e o problema é que ele pensa que tem boas relações com alguém lá em cima!" E, neste ponto, a senhora apontou para cima, na direcção geral do céu. Mas sem estar a brincar com religião. Estes manifestantes entoavam a oração "salavat" muçulmana, saudando o profeta Maomé e a sua família.



E mesmo a propósito. Porque esta manhã, o Líder Supremo, Ali Khamenei, vai dirigir as orações de sexta-feira na Universidade de Teerão - o mesmo campus onde sete jovens foram mortos por milicianos Basiji pró-Ahmadinejad na noite de segunda-feira (15/6) - e Moussavi está a prometer trazer os seus próprios apoiantes, usando braçadeiras pretas em sinal de luto, para demonstrar a sua lealdade ao próprio Khamenei. Os acólitos de Ahmadinejad têm afirmado que a oposição está a tentar derrubar a República Islâmica e Khamenei, uma perigosa infâmia em qualquer revolução, aqui, mas particularmente incendiária hoje.



A oposição suspeita que Khamenei vai tentar restaurar a ordem dizendo a Moussavi e seguidores que permitiu as suas manifestações massivas e que, apesar dos "desafortunados incidentes" - esse maravilhoso cliché autocrático foi na verdade usado pelo presidente do parlamento Ali Larijani - este foi um acto generoso e democrático do governo. Mas, espera-se que diga Khamenei, chega. Quaisquer grupos perturbando a paz este fim-de-semana serão vistos como contra-revolucionários e tratados "de acordo com a lei" (uma expressão favorita de Khamenei).



Se isto acontecer, Moussavi e os seus conselheiros - que incluem o ex-presidente Mohammad Khatami assim como o aliado eleitoral de Moussavi, Mehdi Karroubi - terão de se portar com muita sensibilidade se não quiserem ser forçados ao silêncio por uma advertência como esta. O problema que terão é quase insolúvel. Se continuarem as manifestações de protesto, podem ser acusados de violar a lei - e esmorecer a força das manifestações do povo de Teerão nas varandas e telhados - mas se põem fim aos protestos, os Basiji e a polícia vão-se tornar os reis das ruas.



Na verdade, a prisão do primeiro ministro dos Negócios Estrangeiros da República Islâmica, Ibrahim Yazdi - foi levado, literalmente, da sua cama do hospital de Teerão onde estava internado com cancro na próstata - mostra até onde chega o nível de suspeita, aos píncaros da República Islâmica. Ninguém conseguiu sugerir um motivo são para que um homem que trabalhou lado a lado com o fundador do regime Islâmico, o próprio ayatollah Khomeini, devesse subitamente desaparecer da vista. Yazdi tinha chamado ao boicote das eleições presidenciais há quatro anos - a eleição que trouxe Ahmadinejad ao poder - mas chamou todos os iranianos a votar na semana passada.



Se alguém precisasse de provas do estado de indecisão do governo, bastava olhar para os jornais de Teerão de ontem. Subitamente, as manifestações maciças foram plenamente reconhecidas. Fotografias de página inteira mostravam as manifestações de Moussavi de quarta-feira à tarde. Ahmadinejad tinha dito no fim-de-semana que os seus opositores eram meras "camadas de pó" - uma observação desajeitada e infantil - mas numa das fotografias, podiam ver-se manifestantes levando uma faixa em que se lia: "As camadas de pó estão a fazer história".



Outros jornais mostraram seis das principais estrelas de futebol iranianas jogando contra a Coreia do Sul em Seul usando fitas verdes atadas aos pulsos. Cumpriram as instruções de tirá-las na segunda parte do jogo - que foi televisionado ao vivo para todo o Irão e que acabou empatado. Até o site de Moussavi já não está bloqueado. Podemos perguntar o que tudo isto quer dizer. Mas é o que está a fazer todo o Irão.



Ficou claro, contudo, mesmo antes de os deputados direitistas andarem ao murro, que as autoridades simplesmente não sabiam como lidar com esta revolta sem precedentes - não revolução - de tantos milhões de iranianos. Com um homem mais inteligente, reflexivo, menos arrogante no poder, poderia ser possível procurar um compromisso político, talvez com uma alteração à Constituição para criar uma vice-presidência (não que Moussavi a aceitasse) ou mesmo recriar o posto de primeiro-ministro que foi exercido pelo próprio Moussavi durante a guerra Irão-Iraque de 1980-88.



Mas quem quer trabalhar com Ahmadinejad? Os seus esforços para melhorar a vida de milhões de iranianos pobres - a sua existência, claro, é uma mancha na reputação moral de qualquer república que controle tanta riqueza petrolífera - foram genuínos e bem recebidos. As suas dúvidas sobre o Holocausto Judeu, a sua louca retórica sobre Israel, a sua constante comparação da eleição iraniana a um jogo de futebol, não têm o menor interesse para eles. Mas Moussavi dificilmente poderia trabalhar com uma figura tão instável e imprevisível.



Os colegas de Ahmadinejad têm alegado que a vandalização da propriedade, incluindo a destruição de computadores da Universidade de Teerão - um acto sem qualquer explicação inteligente - foi cometida por "traidores", mas o comité de investigação do próprio governo diz agora que agentes uniformizados estiveram envolvidos.



Tudo isto torna o "presidente" Ahmadinejad um homem muito solitário.



19/6/2009



Tradução de Luis Leiria

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