China vê oportunidades na recessão dos EUA

25 de janeiro 2008 - 0:00
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Especialistas chineses continuam a inquietar-se diante dos cenários de pesadelo que uma iminente recessão económica nos Estados Unidos pode trazer à pujante economia chinesa. Mas alguns começam a achar que há males que vêm por bem.



Por Antoaneta Bezlova, de Pequim, para a IPS





"Se não fosse a crise das hipotecas subprime, a China não poderia sonhar em investir em instituições financeiras de topo de Wall Street", escreveu o consultor jurídico Zhu Yiwei num artigo de opinião no Southern Weekend da semana passada. "Mas agora que a China comprou dez por cento do Morgan Stanley, há esperança de, através da construção de uma rede de contactos pessoais em Wall Street, podermos trabalhar para reduzir os diferendos comerciais entre os dois países."



De facto, a entrada de cinco mil milhões de dólares no gigante Morgan Stanley, em Dezembro, para ajudar a reconstruir a sua base de capital, tem sido apontada por alguns especialistas como uma rota de sucesso para a fortaleza de Wall Street, que devia ser usada por Pequim para adquirir mais poder de influência sobre as opiniões dos bastidores políticos dos EUA.



O investimento no Morgan Stanley é o último de uma série de importantes negócios no exterior concretizados pelo novo fundo soberano (sovereign wealth fund) de 200 mil milhões - o China Investment Corporation (CIC) -, desde a sua criação em Maio. Tanto o seu nascimento quanto as suas actividades criaram um burburinho nos mercados financeiros globais, antecipando que uma considerável soma seria canalizada para os activos globais.



Mas o fundo também provocou irritação política nalguns países, por medo de que os seus administradores possam explorar a abertura dos países desenvolvidos ao capital internacional para procurar o domínio estratégico de recursos-chave e de infra-estruturas, e favorecer os objectivos nacionais da sua política externa.



O fundo de investimento da China é apenas o último a chegar ao meio dos fundos soberanos que proliferaram nos últimos anos em países produtores de petróleo, ou em países que formaram grandes reservas em divisas devido ao crescimento das suas exportações. Estes fundos controlam actualmente entre dois a três biliões de dólares americanos, mas especialistas prevêem que os seus activos poderão chegar a mais de 10 biliões de dólares dentro de uma década.



Temores de que esses activos sejam usados para tomar importantes indústrias domésticas nos EUA e na Europa levaram os governos das nações do G7 a pedir regras claras em relação aos fundos soberanos. O Fundo Monetário Internacional foi também chamado a ajudar a desenhar códigos de conduta para eles.



Na China, a reacção a esses temores foi por vezes de um imperturbável nacionalismo.



"O excessivo interesse no China Investment Corp. é um reflexo do crescimento da competição global entre as principais potências mundiais", disse um recente editorial do China Times.



"É inútil que uma instituição de investimento de um país como a China tente esconder as suas aspirações, pretendendo que os seus objectivos são inteiramente de mercado. O CIC é um fundo soberano de uma grande potência, e deveria usar os mecanismos de mercado disponíveis para preencher as necessidades estratégicas do país", prosseguiu o artigo. "Compras de activos estratégicos estrangeiros e de muito necessários recursos deveriam estar no primeiro lugar da sua agenda."



Ironicamente, estas opiniões apareceram num momento em que os líderes chineses se esforçam por enfatizar a independência política do novo veículo de investimento do país.



"Esta companhia de investimentos é inteiramente comercial", disse o primeiro-ministro Wen Jiabao na conferência de imprensa conjunta, durante a visita ao primeiro-ministro britânico Gordon Brown.



As actividades externas "não devem ser politizadas", disse Wen, acrescentando: "O governo não se intromete."



Os políticos chineses lembram-se bem das dificuldades encontradas nos Estados Unidos pela terceira maior petrolífera estatal, a Chinese National Offshore Oil Corporation, quando tentou adquirir a companhia de energia da Califórnia Unocal em 2005. A reacção negativa que se seguiu mostrou as suspeitas e as barreiras que esperam outras potenciais tentativas chinesas de adquirir grandes companhias nos principais países desenvolvidos.



No entanto, tem sido difícil resistir às oportunidades que surgem devido ao afundamento das fortunas financeiras americanas. Grandes perdas de maus empréstimos ligados ao combalido mercado de habitação forçaram os principais bancos de investimentos, como o Merril Lynch e o Citigroup Inc., a pedir ajuda aos investidores externos em lugares tão longínquos como a China, a Coreia, Singapura e Arábia Saudita.



Depois de investir no Morgan Stanley em Dezembro, Pequim finalmente decidiu na semana passada rejeitar uma proposta multimilionária de investimento no Citigroup Inc. pelo banco estatal China Development Bank, suscitando especulações de que os líderes chineses decidiram manter um perfil baixo para os seus alvos de investimento. Nem o China Development Bank nem o Citigroup Inc. fizeram comentários sobre os motivos que estão por trás desta rejeição de um plano que esteve a ser trabalhado durantes semanas.



Alguns especialistas chineses sugerem que a decisão pode ter a ver com a relutância de Pequim de entrar noutro negócio de alto risco, num momento em que surgem críticas públicas de que os anteriores investimentos no Blackstone Group LP e no Barclays PLC correram mal.



"Ainda não vimos o fim da crise do subprime e talvez não seja este o melhor momento para investir em Wall Street", diz Ding Zhijie, professor de finanças da Universidade de Comércio Externo e Economia de Pequim. "O medo é que a competição intensa entre os investidores asiáticos possam empurrar muitos a entrar nesse mercado prematuramente, e pagar um preço alto por isso."



Outros especialistas argumentam que a China devia aproveitar a oportunidade e investir em países em desenvolvimento ricos em recursos e com menos barreiras e regulamentos, comparados com o Ocidente.



"O CIC devia mudar o seu alvo para os mercados emergentes, onde há falta de capital e uma necessidade de atrair investidores estratégicos", diz Zhang Ming, especialista económico da Academia Chinesa de Ciências Sociais. "É uma questão de tempo antes que apareçam lá também sentimentos proteccionistas".



Todos parecem concordar que o estabelecimento do fundo soberano marca apenas o início de um tempo alto para os investimentos chineses no exterior.

Sob a pressão de reduzir o crescente superávit comercial e reduzir as pressões para a apreciação da sua moeda, Pequim relaxou muitas regras sobre investimentos externos, e empresas chinesas e investidores individuais têm gasto muito em aquisições de bens e de acções no exterior.



Cheios de dinheiro devido às recentes flutuações no mercado de acções, os bancos comerciais chineses têm vindo a adquirir posições em bancos estrangeiros para expandir a sua presença internacional. As empresas chinesas, por seu lado, têm sido encorajadas a olhar agressivamente para a compra de fornecimentos de longo prazo de recursos energéticos e de matérias primas.



Se continuar a tendência actual, os investimentos chineses institucionais e privados, na sua totalidade, podem bem exceder os 250 mil milhões de dólares, ou quase o dobro dos 134 mil milhões que a China canalizou para o investimento externo em 2006, disse o Beijing Youth Daily.



Tradução de Luis Leiria



Fundos soberanos (sovereign wealth funds) são fundos controlados pelo Estado que ganharam um peso decisivo recentemente, existindo já em 25 países diferentes. O seu objectivo é semelhante ao da generalidade dos investidores particulares: o de maximizar a rendibilidade a longo prazo de uma carteira diversificada de investimentos, em função de um determinado nível de risco.

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