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Sonhos e pesadelos do imaginário reaccionário

Hoje todos os indicadores importantes sobre o desempenho da economia mundial indicam que a crise se aprofunda. Dos Estados Unidos à Europa, passando pelo Japão e pela China, o barómetro anuncia uma tempestade que ameaça converter-se num furacão global.
“Para piorar a situação, os governos europeus escolheram a austeridade e a depressão prolongada. Os sonhos dos reaccionários serão o pesadelo dos cidadãos” - Foto de fila de desempregados em Espanha

Os sonhadores, os especuladores e os reaccionários acabaram por afundar o mundo na segunda Guerra Mundial. Essa é o grande ensinamento da controversa obra do historiador A. J. P. Taylor sobre As origens da Segunda guerra mundial (publicada em 1961). Só lhe faltou acrescentar como pano de fundo desse processo a Grande Depressão. Uma vez completado o quadro, as semelhanças com os acontecimentos dos nossos dias começam a delinear-se de maneira mais clara e alarmante.

Hoje todos os indicadores importantes sobre o desempenho da economia mundial indicam que a crise se aprofunda. Dos Estados Unidos à Europa, passando pelo Japão e pela China, o barómetro anuncia uma tempestade que ameaça converter-se num furacão global. Já levamos três anos de estagnação, regressão e desemprego agudo e os governos das economias capitalistas desenvolvidas têm sido incapazes de apresentar soluções para sair do buraco. O mais grave é que fizeram seu o sonho do sistema financeiro de agravar a crise e torná-la mais duradoura.

O ataque dos especuladores na Europa mostra que a crise não assusta o sector financeiro. Talvez tenha aprendido a viver com a instabilidade pois sabe aproveitar o descalabro no sistema de preços, ainda que isso leve economias inteiras à ruína. O certo é que os técnicos do Banco Central Europeu (BCE) e dos governos da Europa continuam rendidos aos pés dos agentes financeiros. Mas isso não resolve a crise, só a agrava.

O BCE acaba de subir as taxas de juro, afundando as perspectivas de uma saída mais ou menos airosa para a Espanha e a Itália. O BCE fez isso sabendo que a taxa Euribor subiria imediatamente e 90 por cento das hipotecas em Espanha estão ligadas a essa taxa. O impacto será brutal, aprofundando a recessão e o desemprego.

O diferencial entre os juros dos títulos de tesouro da Alemanha e de países como a Itália e a Espanha prenuncia como será difícil para estes países mediterrânicos enfrentar os seus compromissos de pagamentos em Agosto e Setembro. A Itália deve reciclar 70 mil milhões de euros nesses meses e o custo em juros adicionais será insuportável.

Com os casos de Grécia, Portugal e Irlanda poder-se-ia pensar que o sistema financeiro europeu poderia subsistir. Mas quando falamos de Itália e Espanha as coisas mudam. O ajustamento ou reestruturação, ou como queiram chamar ao desastre da dívida nestes países, poderão arrastar toda a União Europeia para o abismo. Os reflexos sacudirão o planeta inteiro.

Para piorar a situação, os governos europeus escolheram a austeridade e a depressão prolongada. Sem o apoio da despesa pública, a procura continuará no fundo. O crescimento será mais medíocre e o desemprego aumentará. A receita reduzir-se-á, o peso da dívida elevar-se-á e os prémios de risco também. Os sonhos dos reaccionários serão o pesadelo dos cidadãos.

Nos Estados Unidos o retrocesso passa pela rendição incondicional de Barack Obama perante os sonhadores e reaccionários do partido republicano. Face à transferência de cifras astronómicas para os bancos e a Wall Street, os republicanos pedem cortes nos programas sociais Medicare e Medicaid e Obama aceita o repto. Até o sacrossanto seguro social, tão venerado pelos democratas, foi oferecido de bandeja aos falcões dos republicanos. Obama anuncia que é necessário reformar o seguro social para alcançar a estabilidade que a comunidade de negócios requer para poder investir e levar a economia norte-americana ao crescimento e à prosperidade. De onde tiraram este sonho? Os números de desemprego nos Estados Unidos anunciados na semana passada confirmam que o país está a viver um pesadelo e está longe de ter saído da crise.

Obama soçobra com o mesmo raciocínio que domina o ideário reaccionário: se dermos estabilidade e tranquilidade aos empresários, os investimentos fluirão por si sós e tudo se arranjará. É o que clamam os falcões no Congresso. Não lhes importa que o país vá para o buraco da segunda Grande Depressão.

Se há algo que os gigantescos pacotes de resgate para o sector financeiro demonstraram é que a crise actual não é uma crise de liquidez. Na realidade, a histérica exigência de austeridade na Europa e nos Estados Unidos traduz uma visão equivocada da crise. Quer-se negar que esta é uma perigosa crise estrutural de todo o modelo económico neoliberal.

Por não ser superada, a crise actual acabará por sair do campo financeiro-económico e conduzirá a distorções políticas e até a conflitos armados. A histeria da austeridade (e o afã de destruir o que resta do estado de bem-estar na Europa e nos Estados Unidos) é comparável ao que Taylor qualificou como a neblina moral e intelectual na qual se moveram os estadistas europeus no período 1925-1939. Já conhecemos o trágico resultado.

Artigo publicado no jornal mexicano La Jornada a 13 de Julho de 2011. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

Sobre o/a autor(a)

Economista, professor em El Colegio do México.
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