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Recessão global: sinais de recaída
A crise financeiro-económica é como um organismo que respira, se move e se transforma diariamente. Com essas mutações, as perspetivas de evolução da economia mundial também mudam constantemente. As que começam a tomar forma para os próximos anos não permitem fazer prognósticos positivos. Será 2016 o ano da recaída e da recessão global?
Há dias o FMI deu a conhecer o seu Relatório sobre a estabilidade financeira mundial. O Fundo identifica três fontes de tensão que pioraram nos últimos seis meses. A primeira consiste num risco macroeconómico de menor crescimento, maior incerteza e o seu efeito negativo sobre as expectativas de investimento. É pena que o FMI não tire a primeira lição sobre isto: o que deveria concluir da sua paixão pelos dogmas neoliberais no terreno da política macroeconómica.
A segunda fonte de tensão provém da queda nos preços das matérias primas durante os últimos quatro anos. Aqui pesam muito as preocupações sobre a economia da China e o seu impacto nos mercados emergentes e nas economias desenvolvidas. Aqueles enfrentam uma combinação desagradável de travão ao crescimento, endurecimento das condições nos mercados financeiros e crescente volatilidade nos fluxos de capital. Estas (por exemplo, a Alemanha) já sofrem reduções significativas nas exportações.
Além dos problemas identificados pelo FMI, colocam-se vários fatores que poderão ser a principal causa de uma nova recessão global. Um deles é o facto de os salários continuarem estagnados nos Estados Unidos e na Europa
A terceira causa de tensões é a falta de credibilidade das políticas macroeconómicas. O ceticismo sobre a eficácia da política monetária está a ser alimentado pelo facto de as posturas chamadas não convencionais (flexibilidade monetária e taxas de juro zero e até negativas) não têm tido um efeito decisivo para tirar o mundo da globalização neoliberal dos efeitos da hecatombe de 2008.
O relatório sobre a estabilidade financeira conclui que as coisas poderiam melhorar se os países avançados resolvessem os principais problemas herdados da crise. Um deles é o da situação dos bancos que enfrentam, entre outras coisas, uma avultada carteira de empréstimos e excesso de capacidade instalada (isto é, há demasiados bancos). Na realidade, esse problema não foi gerado pela crise, mas vem de há muito tempo atrás e é uma causa da crise financeira.
Quanto aos mercados emergentes, o FMI reconhece que foram duramente golpeados pela forte descida nos preços das matérias primas e pelo endividamento que acompanhou os anos de boom. Mas, segundo o FMI, a prudente acumulação de reservas foi o que permitiu que algumas destas economias avançassem. O que o Fundo não diz é que a sua definição de reservas inclui a colocação de fundos de curto prazo (investimentos em carteira) que não são outra coisa que uma forma de endividamento. Por isso, a volatilidade nos fluxos de capital não só mina as possibilidades de recuperação dos mercados emergentes, como gera as condições das crises financeiras crónicas a que assistimos durante a década dos anos 1990.
Além dos problemas identificados pelo Fundo, colocam-se vários fatores que poderão ser a principal causa de uma nova recessão global. Um deles é o facto de os salários continuarem estagnados nos Estados Unidos e na Europa. Isto é acompanhado de uma contração na produção industrial nos Estados Unidos (e um travão nos lucros dos principais ramos da indústria transformadora).
Há que ter em conta que o endividamento é o que continua a explicar boa parte do reduzido crescimento da economia global. Estamos a assistir ao final de um super-ciclo de endividamento e as consequências não serão agradáveis
O outro grande problema tem a ver com o efeito de contágio que provoca a queda nos preços das matérias primas. Esta evolução desfavorável nesses preços tem repercussões importantes no setor financeiro devido a vários mecanismos de transmissão. Muitas das indústrias do setor petrolífero norte-americano da fratura hidráulica (fracking) estão na bancarrota e as suas fontes de financiamento sofrerão um duro golpe. O desplante da Arábia Saudita na reunião de Doha, na semana passada, permite prognosticar uma prolongada época de preços baixos do crude, o que também vai piorar a situação desse setor nos Estados Unidos e agravar o impacto no setor financeiro que já sofre um grau significativo de stress.
Há que ter em conta que o endividamento é o que continua a explicar boa parte do reduzido crescimento da economia global. Hoje os preços dos ativos financeiros e do imobiliário numa economia como a dos Estados Unidos já não podem manter-se em alta devido ao efeito dos rendimentos e da expansão do PIB. O que os manteve a flutuar foi a política monetária flexível, mas agora, que a Reserva Federal começou a aumentar a taxa de juro, os preços desses ativos começam a flutuar em baixa, movidos pelas forças da deflação. Isto é, estamos a assistir ao final de um super-ciclo de endividamento e as consequências não serão agradáveis.
Em síntese, o conjunto de sinais e indicadores aponta para uma nova recessão este ano.
Artigo de Alejandro Nadal, publicado em La Jornada, a 20 de abril de 2016. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net
Comentários
capitalismo
O capitalismo (dinheiro criado do nada), no plano das nações, é um sistema de poder privado que cresce sobre o endividamento estatal.
O problema do crescimento econômico é, ao mesmo tempo, gerar o ciclo de outra coisa (juros) que pode ser uma causa financeira maior do que os benefícios nos preços das matérias ou, até mesmo, fraturas gigantescas nos orçamentos públicos.
Se os governos se defendem com juros baixos, os especuladores provocam a estagnação; se aumentam as taxas de juros o efeito contágio destrói a estabilidade social. Por isso, a eminência de crise tem sido o melhor negócio para comprar empresas, como petroleiras, redes de energia e telefonias nas bolsas de valores, do que estimular mercados emergentes.
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