Ouvi dizer que o grupo Adbusters organizou o movimento Occupy Wall Street? Ou os Anonymous? Ou US Day of Rage? Afinal, quem os juntou todos?
Todos esses grupos participaram. Adbusters fez a convocação inicial em meados de Julho, e produziu um cartaz muito sexy, com uma bailarina fazendo uma pirueta no lombo da estátua do Grande Touro, com a polícia anti-tumultos no fundo. O grupo US Day of Rage, criação da estrategista de Tecnologias da Informação Alexa O'Brien, que existe quase exclusivamente na Internet, também se envolveu e fez quase todo o trabalho inicial de encontros e pelo Tweeter. O grupo Anonymous – com as suas múltiplas, incontáveis e multiformes máscaras – agregou-se no final de Agosto. Mas em campo, em Nova York, quase todo o planeamento foi feito pelo pessoal envolvido na Assembleia Geral de NYC.
É um colectivo de activistas, artistas, estudantes, que se reunira antes na campanha “New Yorkers Against Budget Cuts” [Novaiorquinos contra os cortes no orçamento]. Essa coligação de estudantes e sindicalistas acabou de levantar a ocupação de três semanas perto do City Hall, que recebeu o nome de Bloombergville, na qual protestaram contra os planos do presidente da câmara, de demissões e cortes no orçamento da cidade. Aprenderam muito naquela experiência e estavam ansiosos para repetir a dose, desta vez em movimento mais ambicioso, aspirando a ter mais impacto. Mas, de fato, não há ninguém, nem grupo nem pessoa, a comandar toda a ocupação de Wall Street.
Ninguém manda? Ninguém é responsável? Como se tomam as decisões?
A própria Assembleia Geral tomou as decisões para a ocupação na Liberty Plaza, apenas alguns quarteirões ao norte de Wall Street. (Ali ficava o Parque Zuccotti, antes de 2006, quando o espaço foi reconstruído pelos proprietários da área, Brookfield Properties, que lhe deram o nome do presidente da empresa, John Zuccotti.) Agora, lá vai; vai soar como jargão. A Assembleia Geral é um colectivo horizontal, anónimo, sem chefia, sistema de consenso autogerido com raízes no pensamento anarquista, muito semelhante às assembleias que têm conduzido vários movimentos sociais em todo o mundo (na Argentina, na Praça Tahrir no Cairo, na Puerta Del Sol em Madrid e noutros pontos). Não é simples trabalhar para gerar consensos novos. É difícil, frustrante e lento. Mas os ocupantes estão a usar o tempo e a trabalhar sem parar. Quando chegam a algum consenso, o que muitas vezes exige dias e dias de discussões e de tentativas, a sensação de alegria é quase indescritível e inacreditável. Ouvem-se os gritos de alegria por toda a praça. É experiência difícil de descrever, ver-se ali, cercado de centenas de pessoas apaixonadas, empenhadas, rebeladas, criativas e todos em perfeito acordo sobre alguma coisa.
Por sorte, não é preciso discutir tudo nem é indispensável haver perfeito consenso sobre tudo. Há várias (e o número deles aumenta sempre) comissões e grupos de trabalho que assessoram a Assembleia Geral – de comissão de Comida e de Imprensa, a grupos de acção directa, segurança e limpeza. Todos são bem-vindos e cada um faz o seu trabalho, sempre em tácita coordenação com a Assembleia Geral como um todo. A expectativa e a esperança é que, em resumo, cada indivíduo é capaz de fazer o que sabe e deseja fazer e de tomar decisões e agir como lhe parecer mais certo, com vistas ao bem de todo o grupo.
E o que querem obter esses manifestantes?
Ugh – eis a pergunta de um milhão de dólares. A convocação inicial, disparada pelo grupo Adbusters pedia que cada um apresentasse uma única reivindicação: “O que é que você quer?” Tecnicamente, essa pergunta ainda não foi respondida. Nas semanas antes do dia 17/9, a Assembleia Geral de NYC parecia distanciada da linguagem das “exigências” e “reivindicações”. Isso, para começar. E em boa parte porque as instituições do estado, nos EUA, já estão tão infiltradas pelo dinheiro das grandes empresas, que apresentar reivindicações pontuais não faria sentido algum, pelo menos antes que o movimento crescesse um pouco e ficasse politicamente mais forte. Em vez de apresentar uma lista de reivindicações, optaram por fazer da própria ocupação a sua principal reivindicações – com a democracia directa em acção, acontecendo na praça –, e daí pode ou não sair alguma reivindicação específica. Se se pensa um pouco, o acto de ocupar já é uma potente declaração contra a corrupção que Wall Street passou a representar. Mas, uma vez que pedir que pense é quase sempre pedir demais à imprensa-empresa de massa nos EUA, a questão das reivindicações acabou por converter-se num considerável problema de Relações Públicas para o movimento.
Neste momento, a Assembleia Geral está no processo de decidir como poderá resolver a questão de unificar as reivindicações do movimento. É discussão realmente difícil e interessantíssima. Mas não espere demais.
Todos, na praça, têm o seu próprio modo de pensar sobre o que querem ver acontecer, é claro. Na parte norte da praça há centenas de cartazes de papelão colados, nas quais as pessoas escreveram os seus slogans e reivindicações. Quem passa pára e lê, com máxima atenção, ao longo de todo o dia. As mensagens estão por todos os lados, sim, mas também há uma certa coerência entre todas elas. Uma já é, pode-se dizer, unânime: “As pessoas, antes dos lucros”. Mas também estão a ser discutidas várias outras questões, que vão do fim da pena de morte, à desmontagem do complexo militar industrial; de saúde a preço acessível, a políticas de imigração mais benignas. E muitas outras coisas. Pode ser difícil e confuso, mas, repito, essas questões estão ligadas, todas elas, num determinado plano, num nível que ainda não se pode ver com clareza.
Alguns jornais e televisões estão a pintar os manifestantes como sem foco, ou, pior, desinformados e completamente confusos. Que verdade há nisso?
É claro. Num mundo tão complexo como o mundo em que vivemos, todos somos desinformados sobre inúmeras questões, mesmo que saibamos muitas coisas sobre algumas poucas questões. Lembro de um polícia que disse dos manifestantes, no primeiro ou segundo dia: “Eles acham que sabem tudo!” Os jovens são quase sempre assim. Mas, nesse caso, ver a superconcentração de riqueza em torno de Wall Street e a descomunal influência que tem na política, não exige conhecimento detalhado sobre o que faz e como opera um fundo hedge ou a cotação de venda das acções da Apple. Um detalhe que distingue esses manifestantes é, precisamente, a esperança de que seja possível viver num mundo melhor. Devo dizer que, para muitos norte-americanos, essa acção directa não violenta é a única oportunidade que resta para que tenha alguma voz política. E isso tem de ser levado a sério pelos que ganham a vida na imprensa-empresa.
Quantos responderam à convocação dos Adbusters? Que tamanho tem esse grupo? Que tamanho tem hoje e que tamanho algum dia teve?
A convocação inicial dos Adbusters previa atrair cerca de 20 mil pessoas para o Distrito Financeiro da cidade no dia 17de Setembro. Apareceram 2 mil, um décimo do previsto, no primeiro dia. Apesar da verdadeira blitz que o grupo dos Anonymous disparou pelas médias sociais, a maioria das pessoas simplesmente não soube da convocação. Para piorar, organizações progressistas tradicionais, como sindicatos e grupos do movimento pacifista em geral, sentiram-se desconfortáveis com a convocação para uma acção tão amorfa, tão sem ‘reivindicações’. A primeira semana foi difícil, a polícia apareceu, muita gente foi presa e muita gente também deixou a praça para descansar e respirar. A imprensa de massa acabou por cobrir as prisões do fim de semana e a brutalidade policial atraiu a atenção de outros jornais e jornalistas. Agora, seja dia seja noite, nunca há menos de 500 pessoas na praça, e pelo menos metade dessas pessoas estão a viver na praça, dormindo aqui. A qualquer momento do dia ou da noite, muitos milhares de pessoas em todo o mundo assistem a cenas filmadas aqui, em transmissões online que não se interrompem nunca, 24 horas por dia, sete dias por semana.
Diferente de outros movimentos de massa, essa ocupação acabou por depender muito de um pequeno grupo de activistas determinados e corajosos, quase todos muito jovens, que não se incomodam com dormir ao relento e enfrentar a polícia. Mas isso já começou a mudar. As notícias espalham-se, a multidão já não é composta exclusivamente de muito jovens, há maior diversidade. E a ideia de ocupar território, de não arredar pé, já mostra que gera efeitos mais consistentes do que se poderia esperar de uma marcha tradicional. Afinal de contas, houve uma marcha de 20 mil pessoas por Wall Street dia 12 de Maio – protestaram contra o resgate aos bancos e os cortes no orçamento para o funcionalismo público – e quem se lembra daquela marcha?
O que seria um cenário de “vitória” para a ocupação?
Outra vez, a resposta dependerá de quem tiver de responder essa pergunta. Quando se aproximava o dia 17 de Setembro, a Assembleia Geral de NYC realmente viu o seu objectivo, outra vez, não como fazer aprovar alguma lei ou iniciar uma revolução, mas como começar a construir uma nova espécie de movimento. Eles queriam fomentar o surgimento de assembleias desse tipo que se vê aqui, em vários bairros da cidade, por todo o mundo, que pudessem ser uma nova base para outro tipo de organização política nos EUA – e contra a inadmissível influência do dinheiro das grandes empresas. Isso, agora, está a começar a acontecer, quando ocupações semelhantes a esta começam a brotar em dúzias de outras cidades. Outra grande ocupação está a ser preparada há meses, planeada para começar dia 6/10 na Freedom Plaza em Washington, D.C. Os organizadores dessa segunda ocupação estão a visitar a ocupação aqui em NY, na Liberty Plaza. Andam por aí, vão e vem, aprendendo o que podem dos erros e acertos.
Já ouvi gente dizer: quando a Liberty Plaza estava cheia de câmaras de TV “Já ganhamos! Vencemos!” Outros dizem que a coisa está só a começar. Os dois, em certo sentido, têm razão.
E a polícia? Estão também ocupando a praça? Atacaram mesmo com brutalidade? Se eu for à praça, há riscos? O que pode acontecer?
A polícia não sai da praça e, sim, houve alguns confrontos muito violentos, assustadores. Também se viram actos de extrema coragem física e moral de gente comum. O pior momento aconteceu no sábado passado, sim, mas, depois daquilo, praticamente não houve mais problemas. Ninguém tem qualquer intenção de ser preso, e praticamente ninguém tem interesse de correr riscos desnecessários ou em instigar a violência contra pessoas ou propriedades. Quanto mais pessoas comuns vierem para cá juntar-se ao movimento – aliando-se a gente famosa e celebridades como Susan Sarandon, Cornel West e Michael Moore – menos provável será que a polícia reprima a ocupação. Como se lê num cartaz na Broadway: “A segurança vem dos grandes números! Junte-se a nós!"
De qualquer modo, desafiar os poderes que se encastelam nessa rua – e fazê-lo sem pedir licença e fazendo barulho – não é acção que possa ser 100% segura. Quanto mais o movimento conseguir se impor e falar, mais riscos haverá. Se você quiser vir, boa providência será anotar o telefone da National Lawyers Guild [alguma coisa como a Ordem dos advogados] no próprio braço, por via das dúvidas.
Se eu não puder ir a Wall Street, o que mais poderia fazer?
Muita gente está a trabalhar muito lá mesmo, onde está – é a magia da descentralização. Você pode assistir às transmissões online, distribuir notícias, doar dinheiro, retwitar informes e estimular os seus amigos a participar. Pessoas que entendem de máquinas e programas já estão a trabalhar como voluntários, para manter no ar as páginas e blogs do movimento e editar vídeos – em coordenação com salas-de-bate-papo IRC e outras médias sociais. Em breve, as discussões sobre ‘reivindicações’ do movimento serão feitas também online, além de presencialmente, aqui na praça. Offline, você pode juntar-se a ocupações semelhantes que estão a começar pelo país ou, se preferir, pode começar a sua própria ocupação, onde estiver.
Em todos os casos, sempre deve lembrar-se de um conselho de uma mulher, na Assembleia Geral na noite de 3ª-feira, que já é um dos vários lemas que circulam: “Ocupe o seu próprio coração”, disse ela. “Com amor, não com medo”.
Nathan Schneider é editor sénior de "Killing the Buddha", uma revista online de religião e cultura.
Fonte: http://www.thenation.com/article/163719/occupy-wall-street-faq
Tradução: Colectivo Vila Vudu, extraído da Carta Maior