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No 1º de maio francês, Sarkozy ataca os sindicatos

No 1º de maio francês, o presidente candidato Nicolas Sarkozy convocou os seus partidários para um comício a fim de participar da “festa do verdadeiro trabalho”. Dirigindo-se aos sindicatos, Sarkozy disse: “deixem as bandeiras vermelhas e sirvam a França”. Artigo de Eduardo Febbro.
Foto WEF/Flickr

O liberalismo contra os sindicatos. A extrema direita contra o mundo e os sindicatos contra Sarkozy. O 1º de maio francês levou até o paroxismo a confrontação eleitoral do segundo turno das eleições presidenciais do próximo dia 6 de maio. Além dos tradicionais desfiles sindicais do Dia do Trabalho e da também tradicional manifestação que a extrema direita da Frente Nacional celebra anualmente em frente à estátua de Joana d’Arc, no centro de Paris, surgiu um novo convidado: o presidente candidato Nicolas Sarkozy convocou os seus partidários para comparecer em Trocadero a fim de participar da “festa do verdadeiro trabalho”. Dirigindo-se aos sindicatos, Sarkozy disse: “deixem as bandeiras vermelhas e sirvam a França”.

A primeira a falar foi a líder da Frente Nacional, Marine Le Pen. Os seus simpatizantes deram várias amostras do que têm no coração e na cabeça: “fora estrangeiros”, “a França para os franceses”, gritavam em coro num ambiente de algazarra hostil a tudo o que não era francês. Marine Le Pen não fez pedido de voto, mas disse que votaria em branco. Para ela, Sarkozy seria “uma nova deceção”, enquanto que Hollande foi apresentado como “uma falsa esperança’. No entanto, apesar de apresentar um extenso argumento a favor do voto em branco, a líder da extrema-direita deixou no ar uma ambiguidade: “Cada qual fará a sua eleição. Eu farei a minha. Vocês são cidadãos livres e votarão segundo vossa consciência, livremente”.

Marine Le Pen convocou os seus seguidores para as eleições legislativas de junho, que serão um “terceiro turno”. A Frente Nacional é “o centro de gravidade e a bússola da política francesa”, disse a líder frentista”. Dado o crescimento espetacular da extrema-direita e a validação dos seus discursos, as suas ideias e os seus argumentos pela direita atualmente no governo, não é absurdo pensar que os sonhos de Marine Le Pen se possam tornar realidade: “assentamos as bases para nossa chegada ao poder. Nossa vitória é inelutável”.

Já Nicolas Sarkozy protagonizou uma espetacular manifestação na qual reuniu cerca de 200 mil pessoas e na qual lançou um duro ataque contra os sindicatos. O presidente-candidato invocou os valores da França eterna, elogiou a cultura francesa, o seu idioma, as suas igrejas e catedrais, a sua literatura e arte, reivindicou a “herança cristã da França’ e, da mesma maneira que havia feito em 2007, passeou por séculos de história: de Joana d’Arc a Napoleão, passando por Molière, Voltaire e o general de Gaulle. O presente presidencial é uma França com fronteiras fechadas, valor supremo da extrema-direita e da estratégia de Sarkozy para o segundo turno, e, como proposta, um “novo modelo social”.

A nova direita apareceu sob o sol sem máscaras: as posições de Sarkozy parecem vir de um homem sem passado e sem balanço, cujos principais inimigos são o mundo, quer dizer, os estrangeiros, e as conquistas sociais arrancadas com vários séculos de luta. Neste contexto, o chefe de Estado acusou os sindicatos de desfilar no Primeiro de Maio com “bandeiras vermelhas” enquanto que ele e seus partidários o faziam com “a bandeira da França”. O “novo modelo social” apregoado por Sarkozy baseia-se no eterno preceito liberal da desregulação. Violento e acusatório contra os sindicatos, Sarkozy disse-lhes: “deixem os partidos porque o papel de vocês não é fazer política. O seu papel não consiste em defender uma ideologia, mas sim em defender os trabalhadores”.

Não há dúvidas de que o chefe de Estado tem ideias muito criativas, sobretudo pela confusão que semeiam entre aqueles que, como ele, são capazes de acreditar que um sindicalista pode defender uma ideologia ao invés dos interesses dos trabalhadores que representa. As águas revoltas são sempre muito frutíferas para apanhar peixes distraídos. Nesta mesma linha, Sarkozy saiu-se com mais uma pérola: “o capitalismo dos empreendedores deve substituir o capitalismo financeiro”. Em suma, no pensamento exposto neste 1º de maio, o sindicalismo é o pomo da discórdia, o valor que decompõe a sociedade e as relações no âmbito profissional. Quando se dirigiu frontalmente à esquerda e aos social democratas, Sarkozy disse-lhes: “vocês não abandonaram essa velha ideia da luta de classes que levanta uns contra outros, operários contra patrões”.

Longe dessas delicadezas, o seu rival socialista para o segundo turno, François Hollande, não se somou aos desfiles sindicais. Hollande participou na localidade de Nevers numa cerimónia em memória do ex-primeiro ministro socialista Pierre Bérégovoy, que se suicidou em 1º de maio de 1993. “A festa do trabalho é a festa dos sindicalistas e eu não posso aceitar que possa haver na França uma batalha contra o sindicalismo no 1º de maio”, disse Hollande.

Até agora, o único sindicato que apelou ao voto no candidato socialista foi a CGT. A marcha sindical organizada em Paris contrastou, por sua calma, com os agitados ataques de Sarkozy e Marine Le Pen. Os sindicatos marcharam contra as medidas de austeridade e repudiaram a inédita recuperação do 1º de maio feita por Sarkozy, num dia quase universal que encontrou na capital francesa o seu mais virulento paladino inimigo. Os dois obstáculos da França são, para Sarkozy, os estrangeiros e os sindicatos. A violência verbal contra os estrangeiros chegou a graus vulcânicos. Uma das culturas mais transcendentes da história da humanidade, cheia de valores universais, muda, sob a influência de uma disputa política pelo poder, o eixo de sua rotação: agora ela gira em torno do estrangeiro, como se fosse um animal perigoso que precisa ser levado para o outro lado da fronteira.

Artigo publicado na Carta Maior.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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