Litoral Alentejano sai à rua a 5 de outubro contra saque do território

03 de outubro 2023 - 23:31

Bruno Candeias e Kaya Schwemmlein falaram com o Esquerda.net sobre a importância da iniciativa de dia 5 de outubro, em Sines, que junta perto de 20 associações contra o modelo de expropriação neoliberal do Litoral Alentejano. Por Mariana Carneiro.

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Os ativistas Bruno Candeias e Kaya Schwemmlein integram a organização da iniciativa “Tirem as mãos do Litoral Alentejano!”, que decorrerá em Sines, a 5 de outubro, data em que se celebra a implantação da República Portuguesa.

O agendamento da ação para este dia é revestido de um simbolismo assumido à partida, já que os movimentos que estão na base da sua organização pretendem “alertar a República e os órgãos de soberania que o território do Litoral Alentejano está a saque”, explicou Bruno Candeias.

De acordo com o ativista, a ideia de avançar com um protesto coletivo foi germinando no seio de “várias conversa entre inúmeros movimentos com causas diferentes no Litoral Alentejano”, que identificaram a necessidade de chamar a atenção para o facto de este território “estar a ser sacrificado a vários níveis em nome de interesses económicos e de um modelo de exploração intensiva, quer da natureza, quer dos trabalhadores”.

“Expropriação neoliberal do território tem de ser travada”

Kaya Schwemmlein enfatizou que esta “expropriação neoliberal do território, em que tudo gira à volta do dinheiro e dos negócios, e nada à volta das pessoas”, tem de ser travada.

Não faltam exemplos de projetos predatórios no Litoral Alentejano que atentam contra o ambiente e as populações e, inclusive, contra o desenvolvimento económico do país.

Bruno Candeias.

“Está tudo a acontecer neste momento, não só por causa da corrida aos fundos para a suposta transição verde e para a transição digital, como também devido ao crescente apetite pelo turismo de luxo”, assinalou Bruno Candeias.

No complexo industrial de Sines, por exemplo, assistimos àquela que poderá ser “a maior vaga de investimentos desde o seu nascimento, nos anos 70”.

O ativista detalhou que, “à boleia” da transição verde e da transição digital, surgem projetos como o data center ou o hidrogénio verde, entre outros, que vão fazer aumentar muito o consumo energético. Esse consumo adicional de energia, por sua vez, “está a fazer nascer um conjunto de projetos de energia renovável que usufruem dos financiamentos europeus”. Estes projetos, continuou, revestem-se de “uma pincelada de verde”, quando, na realidade, têm consequências dramáticas para o ambiente e populações.

É neste contexto que surgem, nomeadamente, as mega centrais foto-voltaicas - a de São Domingos é a maior da Europa – ou parques eólicos que implicam o abate de 1821 sobreiros, uma espécie protegida. Bruno Candeias referiu que está em causa “produção centralizada, e em torno da área de Sines, para fornecer energia diretamente a estes novos investimentos”.

Mas o saque do território não pára por aqui. É preciso ter em conta a agricultura intensiva, essencialmente no interior do território, desde o olival, às fábricas de bagaço de azeitona ou às estufas de Odemira, com todas as consequências que este modelo de agronegócio tem a nível dos recursos hídricos. Ou o turismo de luxo, que conforme disse Bruno Candeias, “começa a invadir toda a costa entre Troia e Melides, sem qualquer tipo de respeito por um dos últimos cordões dunares selvagens do nosso território”. Ou ainda os projetos de exploração mineira atualmente em consulta pública.

Todos estes projetos em andamento levantam, por sua vez, “problemas sociais com várias dimensões”, advertiu o ativista. Em causa está, por exemplo, a utilização de mão de obra escrava imigrante, que sustenta o agro-negócio; os despedimentos promovidos à boleia da transição verde, com o encerramento de fábricas sem qualquer preocupação face ao futuro dos seus trabalhadores - a termoelétrica é um exemplo disso; ou a especulação imobiliária com o turismo de luxo, que, inclusive, atenta contra o direito constitucional à habitação.

Kaya Schwemmlein advertiu que não nos podemos esquecer ainda de “tudo aquilo que já existia”, como é o caso da indústria petroquímica, a pedreira, o porto de Sines e as questões que lhes estão associadas, nomeadamente no que respeita ao transporte dos animais vivos para países como a China e Israel.

Janela de tempo para atuar é já muito curta”

A ativista sublinhou ainda que todos os projetos predatórios, os já existentes e os vindouros, implicam externalidades, como o custo da água e da terra, que não estão a ser tidas em conta, e que a “janela de tempo para atuar é já muito curta”.

Kaya Schwemmlein

Por outro lado, Kaya Schwemmlein falou sobre a forma muito pouco transparente como todos os novos projetos estão a ser desenvolvidos, e sobre o desrespeito pela participação popular. As populações do Litoral Alentejano, que já sentem que “não têm influência na decisão política”, são afastadas de toda a discussão. “Tudo é feito nos bastidores”, vincou.

Bruno Candeias reforçou esta ideia, indicando que “não é dada informação nos processos de consulta pública”, e que “a comunicação social também não dá nota das reivindicações de muitos movimentos”, existindo “um desequilíbrio entre os promotores dos projetos, e a propaganda que lhes é feita, e depois o contraditório”.

“Um dos nossos objetivos também é vir para a rua para tentar dar alguma mediatização ao que está a acontecer e trazer mais gente para estas lutas”, frisou o ativista.

A iniciativa de 5 de outubro é, para Kaya Schwemmlein, fundamental, na medida em que, por exemplo, “cria sinergias” que permitem enfrentar projetos de grandes dimensões com financiadores de todo o mundo que dispõem de todos os recursos para aceder a apoio jurídico".

Independentemente das várias reivindicações específicas de cada uma das lutas, e associadas a cada um dos projetos, Bruno Candeias vincou que não há dúvidas de que “é necessário travar este modelo.

“Estamos todos a lutar pelo mesmo: um verdadeiro desenvolvimento sustentável e a participação das pessoas nos processos de decisão”, afirmou Kaya Schwemmlein.

“Exigimos democracia e inclusão. Basta da marginalização das pessoas, das suas vontades e necessidades, principalmente no meio rural, que já é penalizado a vários níveis, nomeadamente no que concerne a infraestruturas e transportes”, continuou.

"A participação popular tem de ser respeitada a todos os níveis. As pessoas que vivem e trabalham no Litoral Alentejano têm o direito de decidir o que querem para o seu território, mas estão a ser esmagadas nos processos de consulta pública, quer participem quer não participem”, secundou Bruno Candeias.

O ativista acrescentou que é necessário um “estudo dos impactos cumulativos de todos estes projetos em toda a dimensão do território do Litoral Alentejano”.

Por justiça ambiental e social no Litoral Alentejano”

A iniciativa de 5 de outubro é organizada pela Associação Ambiental Amigos das Fortes, Cinema Fulgor, Dunas Livres, Empregos para o Clima (grupo de Sines e Litoral Alentejano), GAIA – Alentejo, Juntos pelo Cercal, Juntos pelo Sudoeste, Minas Não – minas do Barroso, Movimento Cívico pela Defesa da Lagoa de Santo André, Plataforma Anti Transporte de Animais Vivos, Regenerativa Cooperativa Integral, Roda Inquieta, Sindicato das Indústrias, Energias e Águas de Portugal, Solidariedade Imigrante, SOS Rio Mira e Tamera.

Na convocatória do evento, os dezoito movimentos apelam à mobilização, para que se construa um “caminho que, com justiça, igualdade e democracia, responda à urgência climática e à crise social, proteja o património natural, os recursos e a vida das pessoas”.