Jogos Olímpicos começam com economia britânica em recessão

26 de julho 2012 - 0:01

A economia britânica caiu 0,7% entre abril e junho. É o terceiro trimestre consecutivo de Produto Interno Bruto negativo, e a segunda recessão em três anos. A recessão intensifica a pressão política sobre o governo, às vésperas da abertura oficial dos Jogos Olímpicos de Londres, marcada para esta sexta-feira. Artigo de Marcelo Justo, direto de Londres.

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A recessão britânica intensifica a pressão política sobre o governo, às vésperas da abertura oficial dos Jogos Olímpicos de Londres, marcada para esta sexta-feira

Londres - Não era a notícia que o primeiro ministro David Cameron queria ouvir nas vésperas dos Jogos Olímpicos que serão abertos oficialmente nesta sexta-feira. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, a economia britânica caiu 0,7% entre abril e junho. É o terceiro trimestre consecutivo de Produto Interno Bruto negativo, e a segunda recessão em três anos. Uma coisa está clara: o Plano A (Austeridade) da coligação conservadora-liberal democrata não está a funcionar.

O dado não chegou a causar surpresa, a profundidade da queda sim. No primeiro trimestre (janeiro-março), o resultado havia sido 0,4% negativo, o que já era pior que o 0,3% negativo do último trimestre de 2011 e colocava a economia britânica dentro da definição técnica de recessão (dois trimestres consecutivos de crescimento negativo). O atual 0,7% negativo indica que a economia entrou em um consistente plano inclinado.

O Instituto Nacional de Estatística tentou amenizar a notícia atribuindo o resultado a factos pontuais como o extenso feriado do Jubileu da Rainha. Os economistas não chegaram a um acordo sobre o impacto que pode ter na produção e no crescimento um feriado especial desta natureza. Mas um par de dias extras de descanso não altera a paisagem geral de uma economia que se contraiu em todos os setores: na construção, a queda foi de 5,2%, na indústria de 1,3%, nos serviços de 0,1%.

O atribulado ministro de Finanças, George Osborne, admitiu que não era a notícia que esperava, mas reivindicou a estratégia governamental. “Esses problemas económicos são muito profundos e vêm de longa data. Estamos a lidar com as dívidas individuais e a crise da dívida no exterior. Cortámos o défice em 25% e o setor privado criou 800 mil empregos. Com o que está a ocorrer no mundo, implementámos medidas de estímulo de crédito e de investimentos nas infraestruturas para seguir adiante”, afirmou Osborne.

Em busca do plano B

Essas medidas não constituem um Plano B. O programa de investimento em infraestruturas anunciado no dia 18 de julho não despertou maior entusiasmo. O plano depende de que as empresas convençam os bancos a emprestar fundos para investir em infraestruturas. Se fizerem isso, o Tesouro ficará como garantidor e as entidades financeiras terão os seus empréstimos assegurados. Como aponta o analista económico do Evening Standard, Anthony Hilton, o problema é duplo. “Os bancos não querem emprestar porque necessitam de todo o dinheiro para sanear os seus balanços. E as empresas têm medo de investir no atual clima económico”, assinalou o analista.

A situação presta-se mais do que nunca a uma típica intervenção keynesiana. O próprio governo poderia aproveitar a baixíssima taxa de juro (0,5%) para financiar um programa estatal de investimentos que alavancasse a economia.

Neste sentido, o Reino Unido tem uma vantagem adicional em relação a Espanha ou Itália. Os canhões dos mercados estão concentrados há tempos no euro: não há ataque contra a libra. Uma razão a mais para afrouxar as rédeas do plano de austeridade que a coligação conservadora-liberal democrata lançou quando assumiu o poder em 2010, cristalizado em um programa que prevê cortes de 120 mil milhões de libras em cinco anos.

O problema é que Osborne hasteou a bandeira da austeridade contra o vento e a maré: uma mudança de rumo pode custar-lhe a cabeça.

Fechada esta via o governo espera que os Jogos Olímpicos forneçam a injeção de que necessita a economia para emergir do atual colapso. Segundo o Goldman Sachs, os jogos poderiam aportar 0,3 ou 0,4% no PIB do terceiro trimestre. Na City o clima é de pessimismo. “As cifras sobre este trimestre são um desastre para a economia britânica. Cada vez está mais claro que a economia terá um crescimento negativo este ano”, disse à BBC Alan Clarke, economista do Scotiabank.

O fator Murdoch

A recessão intensifica a pressão política sobre o governo em geral e sobre George Osborne em particular. Já se trata da oposição trabalhista ou dos sindicatos. O jornal financeiro City AM, voz ultra ortodoxa no Reino Unido, está a liderar uma campanha para que o ministro de Finanças seja o primeiro a sair do governo quando for anunciada uma reestruturação do gabinete.

Mas o problema não se limita à economia. Nesta terça, a promotoria acusou formalmente Andy Coulson, Rebekah Brooks e mais cinco pessoas no escândalo das escutas telefónicas. Coulson renunciou como editor do “News of the World” quando foi divulgado o primeiro caso, a escuta telefónica do príncipe William. Apesar disso, David Cameron contratou-o como chefe de imprensa do Partido Conservador em 2007 e do seu gabinete de primeiro ministro, com a vitória nas eleições de 2010. Rebekah Brooks, ex-editora do “The Sun”, “News of the World” e ex-diretora executiva da News International, braço britânico do império mediático de Murdoch, é vizinha de Cameron, reuniu-se dezenas de vezes com ele e trocava frequentes mensagens de telemóvel com ele durante a campanha eleitoral.

Em resumo, ambas as personagens eram parte fundamental da estratégia conservadora para voltar ao poder depois de 13 anos do Novo Trabalhismo. Os dois estão acusados pela escuta telefónica de cerca de 600 pessoas, entre elas ministros trabalhistas, estrelas de cinema como Sienna Miller, o ex-beatle Paul Mc Cartney e o jogador do Manchester United, Wayne Rooney. Será o julgamento do século e exporá Cameron a uma prolongada humilhação pública muito depois que as chamas dos jogos olímpicos se tenham apagado.

Artigo de Marcelo Justo, direto de Londres. Tradução de Katarina Peixotopara Carta Maior.