Galegos contestam projeto da Altri junto ao rio Ulla

19 de março 2024 - 16:09

Com financiamento europeu e apoio do governo do PP, a empresa portuguesa de celulose vai extrair 46 milhões de litros diários do rio Ulla. Ambientalistas alertam para risco de contaminação do quinto maior rio galego.

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Conferência de imprensa conjunta dos movimentos de A Ulloa e Arousa contra a fábrica da Altri.
Conferência de imprensa conjunta dos movimentos de A Ulloa e Arousa contra a fábrica da Altri. Foto Plataforma por unha Ulloa Viva/Facebook

O megaprojeto de instalação de uma fábrica de fibras têxteis de celulose em Palas de Rei pela multinacional portuguesa Altri, criada em 2005 a partir de um "spin-off" do grupo Cofina, está a ser contestado por ecologistas e habitantes da região, em especial nas comarcas de Ulloa e Arousa, onde nasce e desemboca o quinto maior rio galego. A Altri pretende extrair 46 milhões de litros diários do rio Ulla, prometendo devolver 30 milhões de litros após um processo de depuração que cumprirá os padrões legais.

Para Patricia Villarino, da plataforma Ulloa Viva, "o projeto é um monstro que causará uma devastação total na nossa comarca". Em declarações ao Publico.es, esta ativista acrescenta que a promessa da Altri não significa que as descargas no rio Ulla sejam de água limpa. "Estará contaminada", alerta Villarino, lembrando que este rio abastece hoje de água potável onze municípios nas províncias da Corunha e Pontevedra. Os ambientalistas lembram o historial da Altri na poluição do Tejo, através da sua empresa Celtejo, temendo que o Ulla tenha agora o mesmo destino.

A fábrica terá capacidade para produzir 400 mil toneladas anuais de pasta de celulose e 250 mil toneladas de lyocell e para isso "devorará a cada ano 1,2 milhões de toneladas de eucalipto", alerta Patricia Villarino. Prevê a construção de uma chaminé de 75 metros de altura que os ambientalistas dizem que emitirá enxofre e gases tóxicos que provocarão chuvas ácidas num raio de 10 a 30 quilómetros. A água retirada do rio Ulla será transportada ao longo de 12,5 quilómetros de tubagens que irão percorrer os terrenos de cerca de 800 explorações agrícolas.

Também a plataforma em defesa da ria de Arousa contesta o projeto, alertando para os riscos na saúde dos cerca de 150 mil habitantes, a par dos riscos para o ambiente e a produção de marisco. O biólogo Xaquín Rubido diz que a fábrica envolve "uma atividade com necessidade de água num volume tal que não será sustentável". E acrescenta que "vai destruir a ria de Arousa e provocar o desabastecimento das populações que hoje captam água do Ulla para beber".

"Se nos dessem 200 milhões de euros, criávamos milhares de postos de trabalho. E sem contaminar"

O projeto para uma fábrica de lyocell, uma fibra semi-sintética feita a partir do extrato de celulose, já tem alguns anos. Foi em 2021 que a sociedade público-privada Impulsa Galicia - responsável por desenvolver grandes projetos de investimento com financiamento da UE e que junta capitais da Xunta da Galiza, liderada pelo PP, do banco Abanca e das empresas Reganosa e Sogama - escolheu a Altri como parceira deste projeto que previa então um investimento de 800 milhões de euros e a criação de 1.500 postos de trabalho diretos e 6.500 indiretos.

A plataforma Ulloa Viva diz que esses números foram inflacionados de propósito e apontam que a planta da fábrica só prevê casas de banho para 200 trabalhadores. "Se nos dessem 200 milhões de euros, criávamos milhares de postos de trabalho. E sem contaminar", ironiza Patricia Villarino, referindo-se à fatia do financiamento dos fundos europeus Next Generation a este projeto.

Altri e Abanca já foram parceiros de negócios

Contactada pelo Publico.es para falar sobre o projeto, a Altri encaminhou os jornalistas para a parceira galega Greenfiber e estes apuraram tratar-se de duas sociedades, a Greenfiber e a Greenfiber Development, do grupo Greenalia. Entre os administradores encontram-se o antigo braço direito de Amancio Ortega na Inditex, Jose Maria Castellano, e ex-governantes do PP galego como Antonio Couceiro, que teve a pasta da industria nos executivos de Manuel Fraga, e Beatriz Mato, responsável pelo Ambiente nos governos de Feijóo.

A relação entre os donos da Altri e o Abanca não começou com este projeto. Em 2019, quando a Cofina tentou comprar a TVI, o Abanca foi uma das entidades a participarem no aumento de capital necessário para a compra, prometendo na altura usar a participação que detinha na Media Capital para reforçar a presença no capital da Cofina, ao redor dos 10%. Mas o negócio acabou por não se concluir, em virtude de o aumento de capital não ter sido subscrito na totalidade.