Espanha vai abandonar tratado que protege petrolíferas

13 de outubro 2022 - 15:42

O governo espanhol abriu o processo de denúncia do Tratado da Carta da Energia, que permite às petrolíferas recorrer a tribunais privados para exigir indemnizações dos governos que promovam políticas climáticas.

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Foto Xenja Santarelli/Flickr

Face à insufuciência do resultado da negociação na UE para mudar o Tratado da Carta da Energia, a ministra espanhola da Transição Ecológica, Teresa Ribero, anunciou que a Espanha irá dar início aos trâmites para abandonar o acordo. Também o parlamento polaco aprovou uma proposta no mesmo sentido, faltando ainda a luz verde do Senado. Alemanha e Países Baixos também defenderam em maio uma saída coordenada da UE deste tratado.

Mas sair do tratado não implica deixar de estar sujeito aos processos interpostos pelas empresas de combustíveis fósseis em tribunais de arbitragem privados. Ele prevê uma "cláusula de sobrevivência" que permite às empresas processar os países até 20 anos após a desvinculação do tratado.

O Tratado da Carta da Energia surgiu no início da década de 1990 com o objetivo de proteger os investimentos na indústria dos combustíveis fósseis nos países da antiga União Soviética e do Leste europeu. Na prática, os mais de 50 países subscritores, incluindo Portugal, podem ser alvo de ações judiciais por parte de empresas que considerem que os seus lucros estão em causa devido a leis ou medidas dos governos para proteger o ambiente.

Tratado da carta da Energia é o acordo comercial que originou mais litígios

Só este ano, as empresas de combustíveis fósseis já exigiram cerca de quatro mil milhões de euros a quatro países europeus - Itália, Países Baixos, Eslovénia e Polónia - que bloquearam projetos de combustíveis fósseis. Este é o acordo comercial mundial que mais ações judiciais levantou, com mais de uma centena de queixas, a grande maioria nos últimos dez anos.

Este tratado é um dos principais obstáculos ao avanço das políticas climáticas e a União Europeia promoveu um processo de renegociação para o adaptar às exigências e metas definidas pelo Acordo de Paris. Desde o início do processo, o governo espanhol defendeu que a melhor opção seria a saída coordenada da União Europeia deste tratado. Mas com a guerra na Ucrânia e o regresso de muitos países ao investimento em infraestruturas de combustíveis fósseis para reduzir a dependência da Rússia, as condições para essa saída e mesmo para uma renegociação dos termos do tratado ficaram ainda mais difíceis.

No acordo preliminar negociado a nível europeu, as proteções e privilégios aos combustíveis fósseis continuariam até 2033 ou 2040 no caso dos novos investimentos. Por outro lado, passava a incluír nessas proteções novas fontes de energia poluentes como o biogás, os combustíveis sintéticos ou as estruturas de captura de CO2. Um relatório elaborado para a Openexp no início de 2020 pela especialista em política energética e antiga autora principal dos relatórios do IPCC, Yamina Saheb, conclui que este tratado pode ser classificado de "ecocida", mesmo na versão modificada com as propostas da União Europeia - no caso improvável de serem aprovadas por unanimidade pelos restantes países aderentes ao tratado - ao obrigar os países a proteger um volume de emissões de CO2 incompatível com os compromissos climáticos necessários para limitar o aumento da temperatura global até ao final do século.

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