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Alemanha foi a maior caloteira do século XX

Especialista alemão em história económica, entrevistado pela Der Spiegel, recorda que no século passado o governo germânico ficou insolvente três vezes e só foi salvo pelos EUA e pelos países europeus que aceitaram desistir de pedir reparações pelos prejuízos das guerras e ocupações.
A delegação alemã durante a assinatura do Acordo de Londres sobre as Dívidas Externas da Alemanha, Fevereiro de 1953

Albrecht Ritschl, professor universitário e investigador ligado ao departamento de História Económica da London School of Economics, recomenda que os alemães sejam menos hipócritas quando abordam casos como o da dívida da Grécia, que é, proporcionalmente, insignificante se comparada com os calotes que a própria Alemanha deu em três oportunidades no século XX.

A Alemanha hoje é apontada como um exemplo de estabilidade e prosperidade económica, mas os seus governantes parecem sofrer de memória curta, acusa o historiador, que lembra que essa estabilidade não existiria se não fossem os Estados Unidos, que lhe entregaram vastas somas de dinheiro tanto depois da Primeira quanto da Segunda Guerra Mundial. E também graças aos países contra os quais desencadeou uma guerra de aniquilação e extermínio e lhe perdoaram depois, totalmente ou em grande parte, as reparações de guerra. Sem isso, o Wirtschaftswunder, o “milagre alemão”, não teria ocorrido.

Albrecht Ritschl“De 1924 a 1929, a República de Weimar viveu do crédito e chegou mesmo a pedir emprestado aos EUA o dinheiro necessário para pagar as reparações da I Guerra Mundial”, aponta. “Esta pirâmide de crédito entrou em colpaso durante a crise económica de 1931. O dinheiro sumiu, o prejuízo dos Estados Unidos foi enorme, e o efeito sobre a economia global devastador”, relembra Ritschl, que afirma que o calote da Alemanha desse ano foi comparável à crise financeira de 2008.

Depois da II Guerra, iniciada por Berlim e conduzida como guerra de extermínio, os EUA mais uma vez deram passos para que não se repetisse a mesma situação do pós-Primeira Guerra e, assim, com poucas excepções, todos os pedidos de reparações por parte dos países ocupados e arrasados foram deixados de lado até que se verificasse a reunificação alemã. Esta foi, recorda o economista, a base do milagre alemão.

Tudo isto ficou estabelecido no Acordo de Londres sobre as Dívidas Externas da Alemanha, de 1953. Mas quando finalmente aconteceu a reunificação alemã, em 1990, o chanceler Kohl nem quis ouvir falar de reparações de guerra, apenas pagou aos prisioneiros forçados a trabalhar, e mesmo assim através de ONGs, para evitar a criação de precedentes. “Foi um período de não-pagamento”, define o académico alemão.

Para Ritschl, tal como no caso da Alemanha nos anos 50, é ilusório pensar que a Grécia possa pagar sozinha todas as suas dívidas. “É necessário determinar agora qual é o índice de falência dos títulos da dívida soberana grega e quanto dinheiro os credores vão ter de sacrificar”, afirma.

E alerta para os perigos do sentimento anti-grego que se espalha pela Alemanha.

“Os gregos conhecem muito bem os artigos agressivos nos média alemães. Se o humor no país mudar, poderiam ser retomados antigos pedidos de reparações, e por parte de outras nações europeias também”, adverte, argumentando que os alemães deviam estar gratos por a Grécia estar a ser “reorganizada indulgentemente à nossa custa. Se seguirmos a opinião pública, com a sua propaganda barata e não quisermos pagar, as contas antigas poderão ser apresentados novamente”.

E conclui: “As falências alemãs no século passado mostram que o mais sensato a fazer agora é uma redução real da dívida [grega]. Quem tiver emprestado dinheiro à Grécia teria de desistir de uma parte considerável do que lhes era devido. Alguns bancos não seriam capazes de aguentar, então teria de haver novos programas de ajuda. Para a Alemanha, poderia sair caro, mas vamos ter de pagar de qualquer maneira. Pelo menos a Grécia teria, então, a oportunidade de começar de novo.”

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