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Alemanha foi a maior caloteira do século XX
Albrecht Ritschl, professor universitário e investigador ligado ao departamento de História Económica da London School of Economics, recomenda que os alemães sejam menos hipócritas quando abordam casos como o da dívida da Grécia, que é, proporcionalmente, insignificante se comparada com os calotes que a própria Alemanha deu em três oportunidades no século XX.
A Alemanha hoje é apontada como um exemplo de estabilidade e prosperidade económica, mas os seus governantes parecem sofrer de memória curta, acusa o historiador, que lembra que essa estabilidade não existiria se não fossem os Estados Unidos, que lhe entregaram vastas somas de dinheiro tanto depois da Primeira quanto da Segunda Guerra Mundial. E também graças aos países contra os quais desencadeou uma guerra de aniquilação e extermínio e lhe perdoaram depois, totalmente ou em grande parte, as reparações de guerra. Sem isso, o Wirtschaftswunder, o “milagre alemão”, não teria ocorrido.
“De 1924 a 1929, a República de Weimar viveu do crédito e chegou mesmo a pedir emprestado aos EUA o dinheiro necessário para pagar as reparações da I Guerra Mundial”, aponta. “Esta pirâmide de crédito entrou em colpaso durante a crise económica de 1931. O dinheiro sumiu, o prejuízo dos Estados Unidos foi enorme, e o efeito sobre a economia global devastador”, relembra Ritschl, que afirma que o calote da Alemanha desse ano foi comparável à crise financeira de 2008.
Depois da II Guerra, iniciada por Berlim e conduzida como guerra de extermínio, os EUA mais uma vez deram passos para que não se repetisse a mesma situação do pós-Primeira Guerra e, assim, com poucas excepções, todos os pedidos de reparações por parte dos países ocupados e arrasados foram deixados de lado até que se verificasse a reunificação alemã. Esta foi, recorda o economista, a base do milagre alemão.
Tudo isto ficou estabelecido no Acordo de Londres sobre as Dívidas Externas da Alemanha, de 1953. Mas quando finalmente aconteceu a reunificação alemã, em 1990, o chanceler Kohl nem quis ouvir falar de reparações de guerra, apenas pagou aos prisioneiros forçados a trabalhar, e mesmo assim através de ONGs, para evitar a criação de precedentes. “Foi um período de não-pagamento”, define o académico alemão.
Para Ritschl, tal como no caso da Alemanha nos anos 50, é ilusório pensar que a Grécia possa pagar sozinha todas as suas dívidas. “É necessário determinar agora qual é o índice de falência dos títulos da dívida soberana grega e quanto dinheiro os credores vão ter de sacrificar”, afirma.
E alerta para os perigos do sentimento anti-grego que se espalha pela Alemanha.
“Os gregos conhecem muito bem os artigos agressivos nos média alemães. Se o humor no país mudar, poderiam ser retomados antigos pedidos de reparações, e por parte de outras nações europeias também”, adverte, argumentando que os alemães deviam estar gratos por a Grécia estar a ser “reorganizada indulgentemente à nossa custa. Se seguirmos a opinião pública, com a sua propaganda barata e não quisermos pagar, as contas antigas poderão ser apresentados novamente”.
E conclui: “As falências alemãs no século passado mostram que o mais sensato a fazer agora é uma redução real da dívida [grega]. Quem tiver emprestado dinheiro à Grécia teria de desistir de uma parte considerável do que lhes era devido. Alguns bancos não seriam capazes de aguentar, então teria de haver novos programas de ajuda. Para a Alemanha, poderia sair caro, mas vamos ter de pagar de qualquer maneira. Pelo menos a Grécia teria, então, a oportunidade de começar de novo.”
Comentários
1. Um bocado retorcidos,
1. Um bocado retorcidos, estes argumentos. O genial investigador, esquece-se das condições que os Aliados, atados pelas exigências da França de Clemenceau, impuseram á Alemanha. Um "Tratado"sem precedentes e que visava o regresso ao estado em que a Alemanha se encontrava antes de 1871: dividida. Não o conseguindo, os franceses impuseram condições draconianas a todos os níveis, fossem elas militares, económicas, financeiras, ou territoriais. Ocupação do Ruhr, extorsão de matérias primas, pesado controlo da produção industrial e dos circuitos distribuidores, prolongamento indefinido do bloqueio que levava à fome, enfim, as condições ideais para um revanchismo que chegaria mais tarde. De facto, a Alemanha não beneficiou do tratamento que a Áustria, a Prússia, a Grã-Bretanha, a Rússia e os Aliados de 1814-15 - entre os quais estava Portugal - deram à vencida França pós napoleónica.
Muito longe disso, os
Muito longe disso, os franceses exigiram demais e liquidaram muitas das aspirações de um importante sector de opinião liberal no Reich. As "reparações" visavam tão só coarctar o crescimento económico do país, as suas exportações e o investimento na investigação. Um recurso clássico que conduzia à submissão enquanto as condições da política internacional o permitissem, como a criação da Pequena Entente, por exemplo. A Alemanha do pós II Guerra foi ajudada - apesar das amputações e de alguns esquemas de submissão pensados, como o Plano Morgenthau -, porque convinha à economia de uma Europa debilitada, assim como à segurança face à imperialista URSS.Não está em causa a responsabilidade alemã pelos acontecimentos que levaram à II Guerra Mundial, enquanto a precedente tenha uma origem menos nítida, até porque a Grã-Bretanha estava extremamente impressionada com a expansão naval alemã e paralelamente, com a conquista dos mercados inundados com produtos Made in Germany.
No que se refere às
No que se refere às "reparações" que podem "voltar", esse é um ponto muito discutível e que roça a patetice. Para isso, bastará concluirmos acerca do caudal de dinheiro vertido pela Alemanha durante mais de meio século e que muito beneficiaria países como Portugal. As auto-estradas onde os senhores circulam nos V. BMW, Volkswagen ou Audi, são "alemãs". Muito concretamente, as quantias entregues passam em muito, os níveis de indemnizações de guerra pagas após 1918 e bem podemos dizer que a entrada na "CEE" de Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha e de todo o leste europeu, muito se deveu à vital contribuição alemã.
Que os alemães fazem a sua
Que os alemães fazem a sua política e defendem o seu espaço e interesses da sua indústria e banca, isso é evidente.Tal é legítimo e natural, tomáramos nós podermos citar nomes de dirigentes portugueses e à altura das suas responsabilidades políticas, para assim terem actuado nos últimos 35 anos. A política alemã será tão "condenável", como uma certa PAC que beneficia enormemente a França e prejudica outros países que viram a sua agricultura devastada, para nem sequer mencionarmos a catástrofe que a PAC significa em África, por exemplo.
Virem falar de "calotes" quando o senhor investigador se refere a "reparações de guerra" - roubo, extorsão -, nem sequer é original. Não passa de uma estupidez convenientemente adocicada pela política-jargão de telejornal populista. Nada mais.
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