Acordo europeu só ganhou tempo antes de nova rodada de pânico

30 de outubro 2011 - 20:18

Revista britânica The Economist analisa os resultados da cimeira europeia e diz que não se trata da 'grande bazuca', mas que, pelo contrário, pode empurrar a zona euro para a catástrofe.

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A cada esforço 'sem precedentes', o problema só piorou. Foto de President of the European Council

A revista britânica The Economist considera, na sua análise ao acordo da madrugada de 27 de Outubro, que não se trata da “grande bazuca” que todos esperavam, a arma que resolveria finalmente a crise financeira da zona euro.

“Afinal”, diz a revista, “esta foi a terceira 'solução abrangente' aprovada pela zona euro apenas este ano. A cada esforço 'sem precedentes', o problema só piorou. Infelizmente, este último acordo promete não ser mais duradouro. Na melhor das hipóteses, servirá para ganhar tempo antes da nova rodada de pânico. Na pior, pode empurrar a zona euro para a catástrofe.”

Zona euro “despertou da mentira de que a Grécia poderia pagar dívida”

Analisando as decisões, e referindo-se à aceitação por parte dos credores de uma redução de metade da dívida grega, a revista afirma que a zona euro “despertou da mentira de que a Grécia poderia um dia pagar as suas dívidas”. Uma nova avaliação supostamente confidencial das perspectivas de Grécia, lembra a The Economist, feita no início deste mês, informava que a austeridade empurrou o país para uma recessão superior à esperada – este ano prevê-se uma contracção de 5.5 %, e o país não voltará a crescer até 2013. O resultado é que a dívida provavelmente subirá para 186% do PNB, em vez dos 160% previstos três meses antes, mesmo com uma redução de 21% da dívida acordada em Julho. “Se a zona euro e o FMI queriam evitar emprestar mais milhares de milhões à Grécia, os credores privados teriam de assumir perdas muito maiores”, afirma o artigo.

Depois de muitas negociações em que os bancos não queriam aceitar a proposta, finalmente chegou-se a um acordo que envolverá a troca de títulos da dívida por outros com um corte para metade do seu valor de face, sendo que os detalhes desta operação ainda não estão acertados. A revista diz que, mesmo assim, fala-se que a Grécia vai precisar de um novo empréstimo de 130 mil milhões, em vez dos 109 mil milhões previstos em Julho.

A operação de troca de títulos é apelidada de “voluntária”, mas não está ainda claro se a International Swaps and Derivatives Association vai concordar. Se ela considerar que houve um “evento de crédito”, serão então acionados os credit-default swaps (CDSs), que são contratos de seguro contra o não-pagamento de títulos de dívida soberana. “Isto é algo que os governos e o BCE estão determinados a evitar, temendo que daí decorra uma catástrofe financeira semelhante à da falência do Lehman Brothers em 2008. Ninguém sabe na posse de quem estão esses CDS, e “não é preciso ser-se paranoico para se estar aterrorizado”, diz o artigo, citando uma fonte envolvida nas negociações.

Bancos alemães e britânicos saem a ganhar

Quanto à recapitalização dos bancos, o artigo observa que o critério utilizado para esta operação, o de recalcular o valor dos títulos detidos pelos bancos a preços de mercado, significará perdas para os títulos italianos e espanhóis e ganhos para os alemães e britânicos, o que significa que o maior esforço de recapitalização recai sobre os bancos dos primeiros dois países, enquanto que os bancos alemães e britânicos pouco terão de fazer.

Além disso, “o critério é muito bom para a França, o que é suspeito”, diz a revista, observando que os bancos franceses têm sido castigados pelos mercados, o que levou Paris ao alarme diante da possibilidade de perder o seu 'rating' AAA. No total, a recapitalização terá de ser de 106 mil milhões de euros, o que, segundo a revista, é a mais baixa das estimativas, o que pode ser um erro, devido à desaceleração da economia europeia.

O artigo considera ainda que o calendário do plano, que dá nove meses aos bancos para se recapitalizarem, é um erro enorme. O objectivo seria dar tempo aos bancos para venderem acções e cortarem bónus e dividendos. Mas poucos investidores estão dispostos a comprar acções de bancos, nota o artigo, por mais baratas que estejam. Resultado: o ónus da recapitalização vai ficar em grande parte sobre as costas dos governos nacionais e sobre o FEEF

Ora ninguém sabe muito bem como é que o FEEF vai crescer de forma a garantir eventuais problemas mais graves com as dívidas de Espanha e Itália, que só no próximo ano têm de rolar um bilião de euros de dívida. Como fortalecer o Fundo sem injectar dinheiro dos contribuintes – coisa que a Alemanha se nega a fazer? A revista aponta que a solução óbvia é promover a alavancagem do FEEF, citando esquemas complexos que sempre se podem fazer, mas que significam também riscos suplementares: “a alavancagem pode ser um mecanismo que transmita o pânico e enfraqueça os países, acima de tudo a França”, adverte a The Economist.

Solução chinesa tem custos políticos

A revista resume assim a situação: “Os tesouros nacionais não têm dinheiro de sobra suficiente para garantir dívidas gigantescas e manter os seus próprios 'ratings'. Mesmo a poderosa Alemanha não pode suportar sozinha toda a zona euro”.

As esperanças de que a China queira investir no Fundo levantam questões políticas: a zona euro quer ficar tão obviamente dependente de Pequim? Isso terá um preço: os chineses vão querer mais direitos de voto no FMI e o estatuto de economia de mercado, aponta um diplomata ouvido pela revista. Este estatuto tornaria mais difícil impor taxas anti-dumping aos baratos produtos chineses.

A outra solução seria usar a capacidade de imprimir dinheiro do BCE, mas a Alemanha tem pavor de que esta medida trouxesse inflação.

Seja como for, diz a revistas, muitos esperam que o BCE não deixará de comprar títulos, citando um economista do Citygroup que afirma que a proibição de que o BCE empreste directamente aos governos é pura idiotice. “É isso que os bancos centrais fazem”.